Essa semana convidei cinco pessoas lindas para falar sobre o tipo 4C. Tempos atrás a Ster abordou aqui no blog a hierarquização de texturas e pensei nessa postagem como mais um modo de tratar do assunto e chamar atenção para um aspecto importante da transição capilar. Durante a transição, vi muitas meninas abandonando o desejo de voltar ao cabelo natural depois de descobrirem que seus cabelos eram do tipo 4C.
O cabelo 4C não forma cachos em “S”, os fios formam um “Z”. O fator encolhimento interfere bastante na aparência geral desse tipo de cabelo. Eles sempre parecem muito mais curtos do que realmente são. O tipo 4C forma um black power poderoso e precisa de alguns cuidados especiais como todo cabelo.
O grande problema é que muita gente se inspira nos cabelos de uma pessoa “X” e cria a expectativa de ter exatamente aquele tipo de textura. Sabe-se que existem fios lisos, ondulados, cacheados e crespos e que mesmo dentro de cada um desses tipos, existem variações. Mesmo assim, infelizmente existem determinados tipos capilares mais valorizados e desejados que outros.
Quando eu era criança, o cabelo liso era o desejo da maioria das meninas. O cabelo liso era considerado “bom”. Agora que entrei no mundo dos cacheados e crespos percebo que há uma certa preferência por cachos maiores como o 3A e o 3B. Assim a ideia de voltar ao cabelo natural é substituída na cabeça de algumas pessoas pela ideia de “voltar aos cachos”. Mas nem sempre isso se concretiza. Quem entra em transição pode descobrir que de repente, seu cabelo não é cacheado, mas ondulado. Ou que não é cacheado, é crespo. Isso faz parte do processo e a parte mais bela de tudo isso é se conhecer e aprender a cuidar dos seus fios. Afinal de contas, muitas mulheres ingressaram no mundo das progressivas e alisamentos porque não sabiam como cuidar de seus cabelos.
Sabendo disso, hoje cinco pessoas que passaram pela transição capilar vão compartilhar essa experiência com vocês e falar sobre questões importantes como racismo, produtos capilares e hierarquização de texturas. Vou deixar vocês com a Ana, a Amanda, a Myllena, a Sara e a Priscila, tenho certeza que vão ficar em ótima companhia!
Você já alisou o cabelo alguma vez? Com quantos anos você alisou o cabelo pela primeira vez? Como foi?
“Eu alisei meu cabelo desde os 6 anos (acho) até os 15 anos. Não me lembro como foi a primeira vez, mas me lembro de sempre ter sido experiências doloridas, alisamentos com pasta, chegava a queimar e causar feridas no meu couro cabeludo. Era muito ruim”
“Sim várias vezes. Bom eu não lembro bem com quantos anos foi o meu primeiro alisamento, mas com seis anos eu já fazia uso dos relaxamentos leves. A primeira vez que alisei bom, foi como algo normal não me sentir mais feliz ou triste era algo que eu tinha que encara como normal, já que era o que todo mundo de cabelo crespo fazia.”
“Sim, desde muito nova meu cabelo foi relaxado. O processo começou quando entrei na escola, aos 5/6 anos. Meu cabelo era um desafio para minha mãe, também negra e crespa, pois precisava ser “domado” e havia pouquíssima informação na mídia ou alternativas para nós se não relaxar ou alisar. No ensino médio, por volta dos 14 anos, fiz escova definitiva. É claro que a ilusão de finalmente ter as tão sonhadas madeixas lisas afetou muito minha autoestima, embranquecida, até arrumei meu primeiro namorado (rs). Foi aí que minha vida virou um pesadelo. Com o passar dos meses a raiz ia crescendo e era aquela velha história…. Meus pais investiam o dinheiro que não tinham para me ver sorrir. No fundo eu estava completamente ferida psicológica e fisicamente. Psicologicamente por todo o esforço que tinha que fazer para me encaixar no socialmente aceitável. Fisicamente, pois ação de secador + chapinha + relaxamento + definitiva sensibilizaram meu couro cabeludo causando dores que sinto até hoje mesmo estando há 2 anos e 3 meses sem química e 1 ano e 6 meses sem chapinha/secador.”
“Sim, mais da metade da vida. Comecei a alisar com 12 anos e usei todos os tipos de químicas, a idéia inicial foi da minha mãe e eu apoiei com a ilusão de que teria um cabelo liso natural lindo mas logo a realidade veio e percebi os danos da química. Alisei meu cabelo por 17 anos e sei o quanto ele sofreu”
Você passou pela transição capilar? Como foi essa experiência? Por que você decidiu voltar ao cabelo natural?
“Passei pela transição capilar, e foi um pouco difícil pq não tinha ninguém como inspiração, na época tinha uns 14/15 anos e todas as garotas da minha escola tinham o cabelo liso ou ondulado. Deixei ele crescer natural sem ter uma meta ou um foco, depois conheci alguns grupos no facebook, como o cacheadas em transição, porém sai da ditadura do liso para entrar na do cacheado, aos poucos conheci outras garotas 4c no grupo e parei de tentar ter “os cachos perfeitos”. Quando pintei ele foi um pouco decepcionante porque ele perdeu um pouco do volume e depois de tanto tempo aprendendo a amar o volume foi meio chato”
“Quando eu decidi parar de alisar meu cabelo, eu nem sabia que o nome desse processo de retorno ao cabelo natural se chamava “transição capilar”. Eu sempre gostei dos meus ponhonhões, quando o meu cabelo pós-alisamento começava a crescer e a raiz aparecia. Eu gostava do meu cabelo natural, mas não sabia como cuidar. Então, quando eu era adolescente, eu alisava porque minha mãe e avó diziam que era mais “fácil para cuidar”. Mas chegou um momento que eu não suportava mais aquele processo doloroso de a cada 3 meses alisar o cabelo de novo. Então eu decidi parar de alisar. Como ninguém na minha família usava o cabelo natural, esperei primeiro ter condições financeiras pra bancar os cuidados com o cabeço sozinha e procurei informações na internet de como deveria cuidar do meu cabelo. Encontrei o blog Cabelo Crespo é Cabelo Bom e ele me ajudou muito, foi uma luz no fim do túnel. Eu fazia estágio no Centro Cultural UFMG e lá tinha minha amiga Vitória, negra como eu e que tinha o cabelo natural. Esse foi o empurrãozinho que faltava pra eu ir em um salão e tirar toda a parte alisada.Eu decidi parar de relaxar meu cabelo pq não queria passar a minha vida presa a um processo que escondia o que eu realmente era e como meu cabelo era de verdade. Não queria passar a minha vida mentindo pra mim mesma,vivendo uma farsa. Eu estava perdendo tempo escondendo uma coisa impossível de se esconder: eu mesma. Minha essência. Minha verdade”
Como é sua relação com o seu cabelo?
“A melhor possível. Meu black me deixou mais bonita, mais confiante e principalmente a porta de entrada para o meu reconhecimento como mulher negra. A partir dele compreendi a sociedade a minha volta, o lugar que a sociedade acredita que eu devo ocupar e pelo que lutar. Black power não é apenas estética, também é resistência“
“Bom como sou cabeleireira sempre amei cabelo, penso que eles merecem respeito para que tenham vida.Penso muito no meu cabelo temos uma ótima relação rs. Sei quando ele esta mal e do que está precisando.Penso nele antes de outras coisas. As vezes me sacrifico pra não deixar de cuidar,deixo a preguiça de lado e hidrato,ou até deixo de comprar algo pra investir em algum produto. Ele é parte fundamental de mim, acho ele divo, sem contar que é muito mais elogiado hoje em dia. Me arrependo por ter escondido e judiado dele tanto tempo”
“Eu amo meu cabelo. Depois que eu assumi meu cabelo natural, comecei a conhecê-lo e, consequentemente, conhecer a mim mesma também. Cuido muito do meu cabelo e procuro hidratar sempre que eu o lavo”.
O que você mais gosta no seu cabelo?
“A primeira coisa que eu mais amo é a forma como ele emoldura meu rosto, encaixa melhor com meus traços. Deus faz tudo perfeito, me sinto mais bonita agora sem duvidas. Outra coisa é que ele é diferente, ele é versátil e amo não usar fonte de calor deixar ele sem sofrer”.
“A vivacidade. A representatividade toda vez que uma criança crespa passa por mim e fica encantada por ver alguém como ela e saber que pode simplesmente ser. A praticidade e a versatilidade também! Por que não?! Ahhahah “Deve dar um trabalhão ein?!” Deu muito mais trabalho negá-lo a vida inteira”.
Você já teve dificuldades para encontrar produtos para o seu tipo de cabelo? Como você percebe o mercado de produtos desenvolvidos para cabelos crespos?
“No começo, dificilmente eu encontrava produtos para cabelos cacheados e praticamente não existiam pra cabelos crespos. Hoje, eu já encontro produtos para crespos, entretanto sempre muito voltados para “controle do volume”, “definição de cachos”… O que eu acho problemático. Meu cabelo não tem precisa ter cachos definidos. É querer impor um padrão. Eu faço a técnica no/low poo e ai dificilmente encontro produtos para cabelos crespos que se encaixem nessa técnica”.
“Sim!!! Os produtos sem sódio geralmente são mais caros e os direcionados para cabelos crespos geralmente tem a intenção de “domá-los”, coisa que não quero fazer! Ultimamente eu tenho apelado para comida. Hidratação de maisena, de maionese, de mel, de ovo, umectação com azeite… São muitas. Baratas, simples e eficazes. Gastar grana pra que né?”
“Eu vejo que o mercado está começando a se desenvolver agora que tem muitas pessoas assumindo o cabelo mas acho que ainda está difícil encontrar um produto legal que supra todas as necessidades, eu pensava que seria mais fácil cuidar de um cabelo natural sem os danos da química, mas o cabelo afro tem necessidade especial então precisa de produtos específicos”.
“Tenho dificuldade para encontrar produtos até hoje, infelizmente quando vou comprar algum produto nunca tem para meu tipo de cabelo, é sempre aquelas mulheres de cachos artificiais no rótulo. O mercado praticamente não existe, o que se vê são apenas produtos químicos. A indústria quer vender em massa e não ligam muito para nós que infelizmente no mercado atual é a minoria. Os produtos que são adequados quando não são caros demais são importados”.
Você já ouviu algum comentário racista em relação ao seu cabelo?
“Eu ouço todos os dias. Não só ouço como sinto que minha simples presença incomoda muito em alguns lugares por conta do black. Principalmente entre minha família paterna que é branca com um belo toque daquele velho racismo velado. E não me calo para mais nenhuma ofensa, rebato sem dó. Antigamente tinha medo, era condicionada a isso. Hoje aprendi a ser mais combativa”
“Já ouvi vários comentários racistas, um dos que mais mexeram comigo foi quando ainda era muito nova, o que me incentivou a alisar ele pela primeira vez. Eu usava tranças quando criança, mas um dia minha mae decidiu deixa meu cabelo solto sem nada, eu fui para casa de alguns parentes e ele começaram a criticar minha mae, como ela podia deixar a filha sair de casa com aquele cabelo, porque ela tinha preguiça de cuidar dele e etc. Alem disso comentários como ele ser bombril, não entrar água, ser peruca e etc, já se tornaram comuns”.
Você acredita que existe uma hierarquização de texturas?
“Acredito nisso totalmente, quantas meninas você ver por ai com orgulho do seu 4C? São poucas, não tem valorização da nossa textura. Tentamos sair desse padrão da sociedade repressora para cair em outra. Dos cachos perfeitos e cabelos longos vejo meninas fazendo texturização só porque querem cachos perfeitos, igual fulana de tal na TV e não um Black Power. Lamento muito por essas pessoas que vivem na ilusão e com medo de assumir por que a sociedade, a família e o namorado não acham bonito um cabelo armado e sem cachos”.
“Com certeza. Quanto mais embranquecido melhor visto pela sociedade. Não que as pessoas de cabelo cacheado sofram menos preconceito, não há como fazer uma escala de racismo, mas o cabelo cacheado é mais tolerado. Não aceito, tolerado.Outra coisa que percebo é o padrão começando a surgir dentro dos cabelos cacheados e crespos. O padrão cacho perfeito: extremamente definido, sem frizz e de volume moderado. Justamente pela questão dos cacheados serem mais tolerados. Deixem os cabelos cacheados e crespos terem liberdade de expressão!!! Hahah”
“Com certeza existe uma hierarquização de texturas. Nos grupos de discussão sobre cabelo crespo isso fica evidente. Muitas mulheres buscam alternativas e mais alternativas para definir os cachos. Essa padronização que impulsiona e faz crescer a procura das mulheres por relaxamentos e permanentes afro em salões como o Beleza Natural. Essa hierarquização atrapalha a aceitação das mulheres com cabelo 4c e também a sua autoestima“
“Infelizmente sim, muitas pessoas não conseguem ver beleza no 4c, enxergam estilo , personalidade, excentricidade, mas beleza são poucos. Várias pessoas ja me mandaram soltar um pouco os cachos. Pra elas quanto mais solto o cacho menos “ruim” o cabelo é. E entre as cacheadas acredito que exista também. Não só em relação a tipos de cachos mas em relação a definição também. Pra algumas pessoas o cabelo tem de estar sempre perfeitamente definido”.
“Acredito que exista uma hierarquização de textura, se seu cabelo é liso ele é muito bem aceito, se é cacheado com pouco volume e muito definido ele é aceito, as pessoas acham que cabelo natural tem um limite, se você tem os cachos perfeitos, pouco volume até esta de boa, mas se seu cabelo é um 4C, sem nenhuma definição, ai não tem jeito, acham que você deve recorrer a salões como o beleza natural, para definir o cabelo ou abaixar a raiz usando química”
Blog Comments
Carol Costa
4 de agosto de 2015 at 08:47
Maressa parabéns por propor esse debate, muito bom! Tenho o cabelo cacheado e apesar de ouvir alguns elogios no trabalho, também ouço comentários maldosos das mesmas pessoas com relação a uma estagiária que tem cabelo crespo. Dar liberdade de expressão ao cabelo, como disse a Myllena, ainda não é fácil em nossa sociedade.
http://dibobis.blogspot.com.br/
Maressa De Sousa
4 de agosto de 2015 at 17:49
Obrigada Carol! Infelizmente a gente tem que repor nosso estoque de coragem e de força todos os dias pra sair na rua né? Porque escutamos muita coisa. Mas o importante é nos mantermos de pé, cabeça erguida e coração tranquilo.
Abraços!
Thamara
4 de agosto de 2015 at 20:54
Adorei esse papo, estou feliz por encontrar representatividade. Obrigada!
Maressa De Sousa
5 de agosto de 2015 at 16:45
Que bom Thamara <3
Jordana Brasi
5 de agosto de 2015 at 11:22
Bom dia! Faço progressiva a 5 anos e tenho o desejo de voltar o meu cabelo ao natural mais não consigo, qual o meu primeiro passo para transição porque a raiz do cabelo começa a crescer não consigo já quero alisar ele novamente mais quero ele cacheado novamente pq fazer ?
Maressa De Sousa
6 de agosto de 2015 at 12:12
Oi Jordana, tudo bem? Fizemos uma postagem com um passo-a-passo que pode te ajudar nesse começo de transição, dá uma olhada:
http://cacheia.com/2015/01/passo-a-passo-para-quem-quer-assumir-o-cabelo-crespo/
Abraços!
Adriana
5 de agosto de 2015 at 21:12
Interessante o Papo 4c. Acho lindo o cabelo 4c, tem personalidade. Gostaria de propor que fizessem um papo assim com os cabelos ondulados porque ele não tem a definição tão desejada pela maioria. Estou em fase de transição. Pensei que seria mais fácil, porém a sociedade é cruel… Ainda não consigo saber qual é o tipo do meu cabelo… Sei que ele é mesclado porque sempre ouvi isto durante a infância e o meu cabeleireiro já percebeu isto. Lembro que os cachos pareciam molinhas e quando estava molhado era enorme, mas quando secava encolhia e sempre ficava um pouquinho abaixo do ombro, mas um lado era diferente do outro rsrs.
Maressa De Sousa
16 de agosto de 2015 at 12:03
Oi Adriana, tudo bem?
Eu, Maressa, entendo que o tipo 2 (ondulado) não tem definição. Mas decidi trazer o papo 4C porque a questão passa por outros elementos: estamos falando de cabelos crespos e sem definição. Estamos falando da experiência de mulheres negras e crespas que se vêem pouco representadas nas mídias. Estamos falando de um tipo de cabelo que está na “outra ponta”, que sofre ataques racistas frequentemente. Estamos falando afinal, de um tipo de cabelo que diz sobre a estética negra: historicamente desvalorizada. Assim, o papo 4C foi pensado considerando essas experiências.
Com isso, não quero dizer que a experiência de quem é ondulada deve ser esquecida. Na verdade, aponto aqui os motivos que me levaram a trazer essas trajetórias. A trajetória ondulada e a abordagem e a questão da definição apareceu aqui no blog através da Giovanna, que fez um texto lindo *–* Dá uma olhadinha:
http://cacheia.com/2014/06/a-ditadura-do-cacho-perfeito/
Abraços!
Ster Nascimento
6 de agosto de 2015 at 00:37
É muito amor pra um post só! <3
Ana
6 de agosto de 2015 at 03:14
Muito construtivo!
Quero parabenizá-las pelo Cacheia! – e incentivá-las a continuarem firmes e fortes neste empreendimento, que tem uma abordagem tão politizada. Tão relevante quanto os cuidados capilares, são as reflexões sobre as questões capilares – consumo, auto-estima, padronização, hierarquização, preconceito, etc e tal. Posso parecer mórbida, mas fico pensando que no dia da minha morte – idealizada, no hospital ou dormindo – não serão os produtos ou técnicas capilares que lembrarei, mas da vida que vivi, cativando amor próprio (expresso, sim, no meu cabelo!) e alheio. Gosto muito das dicas capilares, mas percebo que uma imensa maioria dos blogs (instagrans, canais do youtube) limita-se neste tópico – ou então não problematiza as raízes do porque o cabelo, para um (a) cacheado(o), ser um constituinte identitário tão significativo. Além disso, é de suma importância atentar-se para as questões étnicas – ignorá-las não vai fazer com que elas não existam e norteiem essas questões que parecem puramente estéticas (para alguns até “fúteis”). Silenciar tais temas só faz com que eles continuem permeados pela ignorância, dada em tantas demonstrações que as meninas de cabelo 4 percebem no seu cotidiano. Eu sou branca, de cabelo 2c (meio desleixado), descente de negros no viés paterno e que, por tantas vezes, percebo meu próprio pai (moreno café-com-leite, cabelo curto de aparência ondulada) criticar o black power do cara ou da moça da tv. É desolador, porque minha bisavô, uma baiana negra de cabelo 4 com noventa e poucos anos, provavelmente teve pais ou avós que vivenciaram a escravidão e, posteriormente, foram estigmatizados segundo critérios racistas e eugenistas e viram seus descendentes levados à adaptação ao modelo de cidadão brasileiro(o branco-urbano-alfabetizado, “quase um europeu”) através do branqueamento. O passado, de modo algum, tem um fim em si! Muito traços e moldes daquilo que não é tão distante ainda estão no nosso presente.
Ah, desculpa pela extensão do comentário, mas precisava desabafar e a ocasião foi oportuna – às vezes fico tão abalada com coisas desse tipo acontecendo no dia-a-dia que, desesperançosa, generalizo a humanidade como matéria escrota e perdida! Fico pensando se isso é drama, realismo ou empatia… Prefiro acreditar que é última.
Mas deixo aqui um grande abraço para todas vocês! E, reitero minha percepção: todas as texturas capilares são lindas… com ou sem cuidados, do jeito que são! Porque ninguém é obrigado (a) à se moldar a qualquer coisa que seja!
Ana
6 de agosto de 2015 at 03:16
Ah, agora que vi que são três horas da manhã… devo estar com insônia. Espero que consiga acordar amanhã!
Maressa De Sousa
6 de agosto de 2015 at 12:01
hahaha tomara Ana! :D
Maressa De Sousa
6 de agosto de 2015 at 12:00
Oi Ana, tudo bem?
Agradeço pelo seu comentário e por compartilhar com a gente sua experiência. Eu acho que falar sobre o aspecto político de assumir o cabelo natural e destacar a potência de mulheres negras assumirem o cabelo natural crespo, é muito importante. Essa é uma trajetória que não pode ser silenciada e não pode ser esquecida. Diria até que isso deve ser um ponto de partida pra dar conta desses vários movimentos de valorização do cabelo natural, de discussão sobre estética e padrão de beleza e principalmente, é um ponto de partida para falar sobre racismo, cabelo crespo e empoderamento de mulheres negras. O fato do cabelo crespo ser colocado “na outra ponta”, como o pior, como ruim, como não aceitável passa por pelo racismo que ainda vive serpenteando entre nós. E digo “nós” para não falar em sociedade. Quando a gente fala em sociedade, parece que estamos falando num negócio mais ou menos distante, uma massa sem forma e não identificável. Falo que está entre nós porque o racismo está bem perto, dentro de casa, na rua, no trabalho, na universidade, nas mídias.
Às vezes fico desesperançosa, um pouco como você, mas aí vejo tanta coisa chegando. É o Encrespa Geral que cada dia cresce mais, é a Marcha do Orgulho Crespo, são os eventos, os bate-papos, as feiras, etc. Tanto espaço surgindo que minhas energias se renovam!
Agradeço mais uma vez pelo seu comentário, um grande abraço pra você também! <3
Ana Paula Lima
11 de agosto de 2015 at 11:50
Adorei o debate .. acho importantíssimo esse tema vir à tona, muito legal da sua parte e do Cacheia de apoiar esse discurso. A hierarquização de texturas está aí a nossa volta, não tem como negar. Milhares de garotas e garotos em busca do “cacho perfeito”, do volume perfeito, em busca de uma perfeição criada para nos calar. Eu tenho cabelo tipo 4a/4b e passei a vida fazendo química pra domar o volume e controlar os cachos, e fiz parte (momentaneamente) do grupo que acreditava que o Beleza Natural fosse a solução para as cacheadas. Você entrar no salão com um black e não pagar pelo relaxamento deles é quase uma afronta. Uma afronta à hierarquização, uma afronta à perfeição e ao falso discurso de tolerância e igualdade. É engraçado pensar que minha liberdade cause tanto desconforto ao outro, que por isso ele tente me impor um novo padrão e me enclausurar a novos métodos de tortura.
Nunca devemos deixar nos calar e nem deixar com que diminuam nossa luta, o cabelo crespo ainda é pouco aceito pela sociedade e pouquíssimo tolerado, porém é questão de tempo. De luta. De não abaixar a cabeça. De não permitir que tentem me escravizar novamente. É questão de ensino e tolerância. É questão de me aceitar e mostrar pro mundo que ninguém tem que me aceitar, mas sim, me respeitar.
Meu Mundinho de Sofia
Maressa De Sousa
16 de agosto de 2015 at 11:37
Assino em baixo Ana, é tempo de lutar e não abaixar a cabeça!
Alice
12 de agosto de 2015 at 01:45
Gente, felizmente pra mim, ou infelizmente ao propósito da transição, vocês explicaram tudo sobre o preconceito com o 4c que eu tanto tento explicar pra minha família. Após 11 anos de alisamentos, eles insistem que eu faça a transição e deixe ele “natural” – ao ver delas – utilizando essas técnicas pra definir cachos e deixar ele “melhor”. A única desculpa que arranjei até agora é: pra ter um cabelo cacheado “bom”, eu também teria que utilizar química. E o meu pedido é: me deixem viver essa minha ilusão de cabelo liso mesmo que aos trancos e barrancos. Claro que talvez existam as diferenças de intensidade entre as químicas do liso e do cacheado e claro que essa é uma desculpa esfarrapada, mas essa aceitação do 4c por completo dita aqui, envolve sentimentos muito profundos, desde a infância. São traumas sim! E desde muito cedo não fomos instigadas a nos achar natural. Eu, sinceramente, carrego uma baixa-estima/trauma desde muito criança – quando no banho tinha nojo dos meus próprios cabelos que caiam no chão ou escorriam no banho, sem falar das piadinhas na escola – e não creio que voltando ao cabelo original, esse trauma diminua, pelo contrário, talvez só aumente. Porque ainda existem pessoas que estarão ali pra nos lembrar todos os dias dessas dores, só ao olhar o black. Não sei que tipo de julgamento eu suporto, se o preconceituoso pelo “cabelo ruim” ou o do rídículo de querer mudar, sabendo que não vai ficar um cabelo “suficientemente bom”. A maldade vai estar presente de um jeito ou de outro, já era de se esperar essa baixa-estima. A sociedade é cruel e lá no fundo eles me fazem querer não ter nascido, e se nascesse, que fosse homem. Que machismo e preconceito, não é mesmo? Mas sem hipocrisia, foi assim que o mundo ao redor me formou, sempre reprimindo o que vinha de dentro pra fora, o imposto é que era o certo. Talvez tenha me faltado personalidade e força de vontade, é que isso também foi reprimido. Só tenho a dizer que continuarei brigando com meu cabelo “não aceito por mim, nem pelos outros”, tentando provar que EU TAMBÉM POSSO E MEREÇO ter meu liso. Sim, pode ser uma busca em vão, mas cada vez que tenho um momento de vitória, tenho o sentimento de estar sendo aceita na sociedade naquele momento.
Maressa De Sousa
16 de agosto de 2015 at 11:36
Oi Alice, tudo bem?
Eu não tenho o cabelo tipo 4C, o meu é 4A, mas apesar disso, acho que posso fazer um esforço para entender o que você quis dizer quando escreve ” essa aceitação do 4c por completo dita aqui, envolve sentimentos muito profundos, desde a infância”. Isso é verdade. Não é fácil. O racismo marca nossa carne, realmente machuca. Se os traumas que você carrega não te permitem usar seu cabelo natural, ou se você simplesmente quer usar o seu cabelo liso, tá tudo bem. Fica como coração tranquilo na sua escolha. Todos são dotados de livre arbítrio para fazer o que quer que seja, desde que essas ações não causem interferência no direito do próximo. Assim, muitas meninas seguem celebrando porque venceram uma luta para usar seu cabelo crespo. Outras seguem usando cabelos lisos, com permanente, relaxados, etc. São escolhas. Cada uma de nós tem espaço para forjar sua própria identidade. Quando eu usava meu cabelo alisado, me identificava como negra, sabia o que tinha de enfrentar. Assumir o cabelo crespo me fortaleceu e me trouxe muita coisa boa. Eu entendo no entanto, que as trajetórias são diferentes: a trajetória de uma outra mulher negra, crespa 4C, não é a mesma que a minha. Mas isso não precisa nos afastar :) Assim, te convido a continuar aqui com a gente. No blog temos várias receitas e dicas que servem para todos os tipos de cabelo. Nosso objetivo não é apontar dedos, mas permanecer de braços abertos. É auxiliar, compartilhar, dar força.
Abraços!
Ruthe
13 de agosto de 2015 at 13:23
Maressa. VC é linda!! Lendo esse material até comecei a pensar numa transição de verdade.
Maressa De Sousa
15 de agosto de 2015 at 18:05
Que bom Ruthe! Pensa com carinho nessa ideia mesmo :D
A transição capilar foi um divisor de águas pra mim, me trouxe muita coisa boa!
Cabelo crespo está na moda? | Cacheia!
16 de agosto de 2015 at 16:36
[…] Aparentemente, nele só cabem os ondulados (perfeitamente desarrumados?!) e cacheados definidos. Os cabelos crespos continuam na outra ponta, pouco representados. Diante disso, fica difícil comemorar. A moda não […]
Raissa Heidi
22 de agosto de 2015 at 19:40
Amei o debate. Acho que as pessoas que falam mal (algumas) realmente não fazem por mal porque fomos criados pensando desse jeito, com essa visão acerca do cabelo crespo, ainda mais o tipo 4. Eu mesma quando mais nova perguntava a minha mãe (que tem o cabelo tipo 3a) por que ela tinha casado com meu pai :(((. Só que as pessoas precisam abrir a mente e enxergar que esse é o nosso cabelo, Ta no sangue e não tem como mudar. Mais 2 meses e ele Ta lá de novo, gritando origem. O cabelo crespo é simplesmente uma coroa que não tem como esconder. Hoje eu amo meu black com ou sem definição (ele é tipo 4, não sei qual kkkk) e me sinto mais eu do que nunca. Parabéns pelo post!
Maressa De Sousa
29 de agosto de 2015 at 16:55
Que linda mensagem Raissa! O cabelo crespo é mesmo uma coroa <3
Abraços!
Blog Garota Magrella
23 de agosto de 2015 at 22:27
Gostei muito do post e da forma como o tema foi exposto. Tenho o cabelo tipo 4. Ainda não sei se A, B ou C porque são dois tipos de texturas. Estou novamente em transição justamente porque uma certa “profissional” disse que meu cabelo era o carapinha e o único jeito de tratar este tipo de cabelo era com o relaxamento, e eu acabei acreditando. Perdi 5 anos de transição em uma 1h. Me arrependi, e resolvi voltar a transição.
Maressa De Sousa
29 de agosto de 2015 at 16:44
Nossa que triste a atitude dessa profissional :( Mas a gente te dá toda força nessa segunda transição viu?
Boa sorte e se precisar de alguma dica, ou só conversar um tiquinho estamos por aqui e lá no Facebook do Cacheia também.
Abraços!
Andreza Priscila
29 de agosto de 2015 at 19:14
Nossa Maressa que papo interessante! Esclarecedor e no mínimo magnífico!!!
Realmente eh preciso ter orgulho do cabelo tipo 4. O meu eh 3C mas acho lindo os blacks na vdd gostaria muito de ter!!
Fiquei maravilhada com a quantidade de experiência e informação adquiridas aqui, obrigada por tudo!!!
Maressa De Sousa
10 de setembro de 2015 at 16:49
Muito obrigada pelo carinho Andreza <3 obrigada mesmo ^^
Perguntas sobre cabelo que você sempre quis fazer | Cacheia!
23 de setembro de 2015 at 00:12
[…] Papo 4C: transição capilar, cabelo crespo, produtos capilares e racismo […]
cintia regina santos lima
15 de novembro de 2015 at 13:32
Oi Maressa! Adoro o seu blog , sempre estou lendo e relendo os posts e a cada lida vou acrescentando mais conceitos ao meus já formados conceitos. Amei esse debate , amei os comentários , amei a determinação das meninas e a exposição de tão profundas lembranças , vivências.
Deixa eu te contar o que acontece comigo : quando eu vejo uma mulher com o cabelo 4c , 4b , 4a eu fico de olhos estatelados , parados , fixos e quando me toco , fico com vergonha de ter olhado tanto pois eu penso que a pessoa pode interpretar meu olhar como algo não legal , entende ???
Mas sabe o que é : eu acho lindo cabelo 4a , 4b e 4c , eu babo , eu tenho uma amiga que eu converso com ela e nem olho na cara dela , só no cabelo … acho lindo , lindo , lindo , acho ” aquele evento na cabeça ” e fico hipnotizada ,já segui gente no metrô só pra ficar olhando o cabelo, acredita ???
Será que sou louca ???
Mas sabe o que eu penso que tem como explicação para isso ? Eu penso que um “evento ” desses na cabeça , só carrega quem pode ! É a marca da ancestralidade , é a marca da resistência , é a marca da valorização e por ser tudo isso , essa marca precisava ser calada, precisava ser abrasada , precisava ser alisada.
Que bom que novas consciências estão se formando , estão em ebulição pois a história do nosso povo não pode ser assim amordaçada , ainda tem muito o que caminhar mas eu fico muito animada quando eu vejo a meninada toda se empoderando , chega me arrepio.
Viva nossos cabelos, viva nossos cachos, nossos crespos , VIVA NOSSO BLACK , viva nossa ancestralidade !!!!
Ana Ruth Lima
11 de dezembro de 2015 at 13:24
Esse post é aquele post que todo mundo deveria ler e entender, não só sobre cuidar, mas sobre racismo… meu cabelo é uma mistura de 3b, 3c e 4a… eu não escuto comentários na rua sobre meu cabelo quando finalizo ele, mas se não finalizo ele forma um black lindo, mas mta gnt critica, vem dar conselhos pra alisar, pra eu voltar pros cachos perfeitos, riem do meu cabelo por ele ser natural. É uma coisa que mts já estão de saco cheio, mas se deixarmos que nos reprimam, vão nos engolir e isso não pode parar agora! Belíssimo post! Sou sua fã Maressa!
Maressa De Sousa
24 de dezembro de 2015 at 12:38
Muito obrigada pelo carinho Ana!