Quando eu decidi que não iria mais usar químicas no cabelo, eu não tinha a mínima ideia por onde começar. Não sabia o que era transição, nem sabia que existia tanta informação ao nosso dispor. Pra ser totalmente honesta com vocês, eu não tinha nem certeza se ia conseguir levar o processo até o final. Eu nem lembrava de como era meu cabelo, apenas dos terrores da infância. A verdade é que, por mais que pareça bobagem, eu tava cagando de medo.
Um breve histórico
Meu cabelo sempre foi uma coisinha estranha. Quando eu era criança, não era nem liso e nem cacheado. Era muito cheio, muito cheio mesmo. Mas sem definição nenhuma. Lembro que minha mãe fazia dedoliss e meu cabelo ficava que nem boneca. Eca. Eu ainda era loira descolorida. Mas essa parte da loirice é uma outra história.
Na minha infância, eu amava meu cabelo. Deixava ele cheio e ia brincar. De verdade, eu não dava a mínima. Toda a insatisfação veio de fora, e isso eu tenho certeza absoluta. Meus maiores conflitos se davam porque eu sempre pensava; “por quê ninguém gosta do meu fuázinho que nem eu?”. Eu não entendia quando as pessoas tentavam “arrumar” o fuá, ou faziam escova sobre a desculpa de que “beleza é sofrimento”, ou até ofereciam de pagar um relaxamento pra mim, como se estivessem fazendo uma ação boa. Credo.
O fato é que eu não tinha a menor ideia de como cuidar dos cachinhos, e apesar de gostar deles (SIM!) eu comecei a ter problemas, especialmente na puberdade. Meu cabelo ficou super indefinido, super cheio e eu andava com ele molhado o tempo inteiro (trevas!).
Finalmente, os alisamentos
Depois disso, eu entrei naquela fase horrorosa da crise de identidade. Você não sabe quem é, a opinião dos outros importa demais, e bem, você quer se sentir bonita, procurando desesperadamente por modelos de comportamento e beleza. Óbvio que essas modelos não existem para todas, e os meus pesadelos ainda estão recentes, senhoras e senhores: as comparações com as primas e amigas alisadas, as progressivas que estouraram e ficaram famosas, as piadas com “cabelo ruim”. Minha mãe, tadinha, até que tentava ajudar. Mas eu chorava tanto, me sentia tão feia. E com 13 aninhos fiz minha primeira progressiva, implorando pra moça do salão não matar meus cachinhos. Eu gostava deles, não curtia era o volume zoado. Realmente ela não matou. Mas progressiva é um c* porque quando você menos esperar, PAN! Vai alisar e acabar com suas preciosas molinhas. Aconteceu isso dois anos depois, quando eu tinha 15, em 2011. Daí foram três anos com o cabelo muito quebrado, muito danificado, caindo demais e SEMPRE liso. Depois que alisou, a raiz começou a gritar e eu achei que nunca ia deixar o cabelo natural novamente.
Quando eu decidi parar com as químicas
Eu decidi parar com as progressivas por dois motivos: 1. Eu cansei de ser igual a todo mundo. Coisa horrível era ter o cabelo igual a qualquer guria da rua. E se eu quisesse pintar de azul, ou whatever, meu cabelo ia junto pro ralo. Não dava pra conciliar progressiva e originalidade mais. Argh. (Sim, eu sou dessas) 2. Sempre fiz progressiva com formol, e eu estava com muito medo de câncer (sim! câncer, sente o drama). O euamocabelo deu um super empurrão nesse processo, por ser um dos únicos blogs da época que falava a verdade sobre esses alisamentos-de-meia-tigela.
Então, saquei que só estaria “limpa” de riscos, se fizesse alisamentos permanentes (as famosas químicas de transformação). Essa conclusão me afetou bastante; Eu só fazia progressiva porque, na minha cabecinha juvenil, não era temporário e não matava os meus cachinhos. Assim que caiu a realidade, mais forte que um meteoro, eu percebi que meu cabelo já estava transformado e só voltaria ao que era antes se eu cortasse. Eu já matava minhas molinhas há muito tempo.
Eu decidi parar com as químicas em Agosto de 2013. E na mesma semana, praticamente, fui no salão e cortei o cabelo abaixo dos ombros. Até esse dia, eu achava que nunca teria cabelo curto e que minha beleza dependia do tamanho dos fios. Eu era uma doce criança de verão. Esse primeiro corte não foi curto, óbvio, mas foi fundamental pra eu aprender a desapegar. E gente, desapeguem! Depender da aprovação masculina é muito chato.
Sobre esse “monstro” horrível chamado Transição
Já começo falando que a transição não é tão ruim, e vou explicar melhor o porquê mais pra frente. O sofrimento mesmo começou lá pro sétimo mês. No início, eu tirava fotos a cada meia hora pra ver se a raiz crescia. Não façam isso, fofurinhas. Eu sei que se conselho fosse bom, nós venderíamos, não é? Mas por favorzinho, sigam este: tenham muita paciência com o crescimento capilar. Eu descobri que cabelo demora uma eternidade pra crescer, especialmente na franja e na parte da frente. Demora mais ainda quando você fica medindo o crescimento com uma régua e batendo mil fotos pra ver se está maiorzinho Aproveitem todas as fases, curtinho, raiz cheiona, porque isso tudo vai passar rapidinho.
Foi na transição que eu vivi um dos maiores períodos de aceitação da minha vida. I’m not being a drama queen. Está sendo muito legal descobrir o feminismo, me descobrir, aceitar meu corpo, meu cabelo e minha personalidade do jeito que são. O que parecia uma decisão esvaziada de importância (aceitar os cachos) se revelaram como a descoberta da minha própria identidade, inclusive do meu entendimento como negra, mulher, do emponderamento do meu corpo e do meu cabelo. Ao mesmo tempo que eu voltei para aqueles dias da infância que era legal ficar com o cabelo cheião, eu cresci e aprendi a me defender. As palavras das pessoas não iam me fazer mal, porque eu aprendi a respondê-las e aprendi a buscar aprovação em mim mesma. É nesse sentido que dizem que transição é um ato político, porque, não importa quais são os motivos que te levam ao cabelo crespo e cacheado, você está nadando contra a corrente.
A maior parte do tempo eu usava o cabelo assim mesmo, natural
Hoje eu consigo enxergar o papel fundamental da transição, mas ainda não está sendo fácil. A auto estima fica muito abalada mesmo, isso é normal, a insegurança dá as caras. Olhando pelo lado positivo, no entanto, eu pude constatar que o cabelo liso só serviu como uma muleta torta da minha auto estima. Então, mulher, não se deixa levar pelos sentimentos negativos, e lance sua auto estima em um terreno mais sólido.
O grande corte
Eu cortei o meu leãozinho (<3) em meados de Março de 2014. Vou guardar pra sempre essa data porque eu já estava subindo nas paredes. Não aguentava mais essa dupla textura (uma parte do meu cabelo ainda fica lisa) e não aguentava investir em tratamento pro meu cabelo morto. A progressiva faz uma espécie de “capa” no fio liso, e impede que os ativos penetrem. Eu estava, literalmente, jogando no ralo creme de hidratação, nutrição e reconstrução. Ademais eu não tinha paciência nenhuma para fazer chapinha ou texturização, então as duas texturas ficavam ultra super master em evidência. Foi então que eu cometi a decisão meio burra de entrar em qualquer salão, voltando da faculdade, e mandar cortar. O resultado foi um cabelo torto (salões não estão preparados para lidar com cabelos crespos). Mas como eu transformo os limões da vida em deliciosas caipirinhas, eu transformei o corte torto em um chanel.
Eu prometi a mim mesma que as fotos do primeiro corte nunca viriam a público. Eu prometi que eu guardaria essas fotos em um baú, trancado com sete chaves, no fundo de um poço protegido pela Samara. Eu prometi isso e estou quebrando essa promessa por um motivo maior. Eu estava tão feliz, que vou provar pra vocês que não precisa ter medo do BC, porque a libertação traz muita alegria.
Acreditem ou não, tem fotos que meu olho tá quase fechado. Nessa foto, eu consegui o milagre de parecer com um ovo e com biscoito trakinas ao mesmo tempo, e é com ela que eu encerro o primeiro diário da transição. Aposto que essa minha carinha de trakinovo deixou vocês bem assustadas e assustados.
Eu ainda tenho pontinhas lisas e não fiz o verdadeiro BC. Mas agosto, quando completar um ano, vou pro salão pra cortar de novo. E em novembro, dá-lhe BC! Assim que eu fizer, vocês verão o meu querido diário completo e concluído da minha doce transição.
Muitos beijos,