Essa semana o caso de uma criança que teve os cabelos cortados e alisados (não se sabe se permanentemente ou não) sem o consentimento da mãe ganhou destaque. Desde que vi esse relato fiquei devastada e lembrei também de outros casos. Quem se recorda quando fizeram uma petição para quem Beyonce “penteasse” o cabelo de Blue Ivy? E da atriz Halle Berry, que teve que lutar na justiça para que o pai de sua filha não alisasse os cabelos da menina, que na época tinha 6 anos?
Muitas vezes, crianças têm os cabelos alisados porque os responsáveis acreditam que precisam “domar” os fios e que o cabelo crespo é “difícil de lidar”. Tudo isso com base num padrão estético que a gente aprendeu e reproduziu ao longo de séculos, que nega a beleza de vários traços negros e que vê os cabelos crespos como “ruins”, sinônimos de desordem e nada desejáveis.
Nós últimos anos, algumas de nós tiveram o privilégio de acessar informações e redescobrir a própria textura natural. Às vezes a gente acha que com tanto blog, tanta propaganda, tanto cosmético, o racismo está mais do que resolvido, afinal, já fomos “inseridas” no mercado por meio da produção e do consumo. Sinceramente, acho que caminhamos uns passinhos mas ainda falta muito.
O fato de que ainda hoje mães recebem bilhetes da escola pedindo que os filhos sejam enviados com os cabelos sempre presos ou solicitando que as crianças tenham os cabelos escovados para que apresentações especiais fiquem mais “bonitas” é um sinal de que temos muito o que discutir.
Quem é adulto sabe o quanto essas formas de exclusão e rejeição ferem nossa carne. Imagine então como tudo isso impacta na vida das crianças. Além dos perigos de um alisamento químico sobre a saúde de uma criança, esses processos são uma violência enorme. São uma intervenção sobre o corpo de uma pessoa negra que ainda está se construindo e se conhecendo. Quantas de nós entraram em transição capilar sem nem lembrar do cabelo natural porque os fios foram alisados desde a infância?
Tudo isso pra dizer que nós todos temos o direito à integridade física e precisamos que nossos corpos sejam respeitados. Pais e mães, minha sugestão é que eduquem para o respeito às diferenças e sejam a palavra que fortalece seus filhos todos os dias. Cuidem do vocabulário, elogiem e incentivem que os pequenos explorem e conheçam o próprio cabelo. Conforme as fases de desenvolvimento, supervisionem e incentivem que a criança aprenda aos poucos a cuidar, conhecer e amar seus fios. É preciso prezar pelo conforto e a segurança sempre. Sejamos amor, resistência, e enfrentamento.
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Blog Comments
Mariana
26 de julho de 2018 at 07:25
Só lembrando que: Não é apenas por padrão estético. Eu já tive de levar minha filha ao salão porque nem ela nem eu conseguimos pentear. Já pensaram isso: as vezes é IMPOSSÍVEL PENTEAR. E nesse caso? deixa aquela bagunça mesmo e a criança chorando?
Maressa De Sousa
27 de julho de 2018 at 15:25
Oi Mariana, tudo bem?
Como cabeleireira e apaixonada por cabelos crespos, cacheados e ondulados, te digo que nunca atendi até hoje nenhuma pessoa que tivesse o cabelo “impenteável”. Nos materiais de estudo que tive acesso também nunca entrei nenhuma bibliografia que afirmasse categoricamente que existem cabelos impossíveis de se pentear. Já vi em algumas notícias sobre uma síndrome específica ligada à essa dificuldade mas não encontrei nenhum material científico que atestasse a veracidade do conteúdo. Se essa síndrome tiver existência concreta, muito provavelmente ela é rara e atinge poucas pessoas. Sendo assim, não menciono essa possibilidade no texto porque de fato não tenho conhecimento sobre.
Eu percebo que geralmente há uma dificuldade um pouco maior em relação a cabelos crespos mais densos ou até mesmo cabelos cacheados muito longos porque embolam com facilidade. Com tratamento é possível conferir maleabilidade suficiente para que os fios sejam desembaraçados e finalizados sem sofrimento. Além disso é preciso condições e instrumentos adequados. Um cabelo crespo muito denso não pode ser desembaraçado com um pente fino por exemplo.
É difícil responder sobre o caso que você está me relatando porque eu não conheço de perto e não é minha intenção debater com cada pessoa como ela vai conduzir os cuidados em relação ao cabelo dos seus filhos. Isso só geraria conflito e ajuda muito pouco. O que posso te dizer é que sou contra o alisamento químico de cabelo infantil porque realmente não é adequado e seguro. Ao fim e ao cabo, cada um tem a liberdade para fazer o que quiser e claro, arcar com as responsabilidades resultantes.
Aqui no blog tem alguns posts voltados especificamente para o cuidado com cabelo infantil. Esse aqui foi feito pela Mariana, que é mãe de uma cacheadinha: https://cacheia.com/2015/06/8-dicas-para-voce-aprender-a-cuidar-do-cabelo-cacheado-do-sua-filhao/ Se você ainda estiver com alguma dificuldade em relação a esses cuidados, sugiro dar uma olhadinha nesse conteúdo, talvez tenha algo que pode ser útil.
Abraços,
Maressa
Graziele
5 de outubro de 2018 at 17:30
Tenho cabelos cacheados 3C de fios muito finos que embolam demais. Faço cronograma capilar, pré-shampoo, low poo, umectações…, mas a lavagem é um sofrimento. Aliás, 2. Preciso desembaraçar (com pente de dentes bem largos) antes e depois da lavagem. Além de cansativo, é muito demorado, nada prático para a rotina corrida que levamos. Acabei fazendo um “botox leve”. Não perdi meus cachos, apenas uma leve redução de volume e muito mais facilidade ao desembaraçar. Penso que muitas vezes o alisamento não é um alternativa racista (mesmo porque cabelos lisos mesmo (1A), em regra, são de asiáticos e índios, e não de brancos europeus), mas uma alternativa prática.