Ao contrário do que muita gente imagina, o racismo no Brasil não deixou de existir com a abolição da escravidão. Desde a colonização portuguesa, a segregação racial tem consequências desastrosas para a população negra que vive no território brasileiro. Como pessoa branca, acredito que a luta pela emancipação racial é uma das pautas mais importantes da atualidade. Nesse sentido, não é um problema apenas de negras e negros, mas também daqueles que se beneficiam desse sistema.
Mas racismo é mero vitimismo. Antes de tudo, somos pessoas. Certo?
Errado! De acordo com dados da ONU:
“os negros no país são os que mais são assassinados, são os que têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde, são os que morrem mais cedo e têm a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB).” Fonte
Ainda, as pessoas negras tem menos postos no governo e são maioria em cadeias e presídios. É por isso que a luta contra o racismo é uma luta em defesa da igualdade de oportunidades. É uma luta pelo direito mais básico de todos, o direito à vida. Para saber se existe racismo no Brasil, recomendo que façam o teste do pescoço.
Recentemente, o governo do Paraná lançou uma campanha para alertar sobre a existência e os perigos do racismo institucional:
Como sei se sou branca (o)?
Quando parei com as escovas progressivas, e vi o meu cabelo natural nascendo, logo achei que eu era negra e comecei a gritar aos quatro ventos. Apesar de hoje reconhecer essa leitura como uma grande defecada, na época, fez muito sentido para mim: eu já tinha ouvido piadinhas na escola porque tinha a pele mais morena, sofri preconceito a vida inteira pelo meu cabelo, e descendência negra na família.
Depois que entrei na faculdade, comecei a ter um contato maravilhoso com o movimento negro. A partir disso, eu entendi que, de fato, eu não era negra.
Eu entendi isso a partir de regrinhas básicas:
- Raça não se trata sobre a descendência negra familiar, porque não é a hereditariedade que define raça.
- Raça é definido por leitura social. Ninguém é definido como indígena, negro ou branco pela sua genética.
- Raça é uma construção de hierarquia.
- Raça estabelece barreiras reais de acesso a educação, saúde, renda, segurança, emprego e infra-estrutura a pessoas não-brancas.
Ou seja: a leitura social da minha pele é hierarquizada
Hoje em dia, entendo que a leitura de minha pele e de minha etnia é múltipla a depender do contexto. As vezes, sou lida como latina, por vezes, como latina da pele clara. Já fui lida também como árabe e até indiana (?) na época do cabelo liso. Mas não importa se durante uma viagem, europeus foram xenofóbicos porque sou latina, ou porque parecia árabe. (?) O mais importante, é que no lugar que eu vivo e que nasci, e que passei vinte e um anos da minha vida, em Belo Horizonte, Brasil, sou lida como branca.
Essa leitura me garantiu uma série de privilégios e acessos que não obteria se fosse negra. Ser branca me garante os privilégios de ter bonecas parecidas comigo para brincar, de não ser seguida dentro de uma loja, de não ser a exceção em uma escola particular, de ter acesso a sistemas estruturados de saúde e até de emprego.
O racismo no Brasil atua de forma perversa e silenciosa. Muitas vezes eu me questionei se não seria “morena”, ou “parda”, até que entendi que essas palavras são mecanismos de embranquecimento. Por isso que, muitas vezes, me sinto desconcertada sobre o lugar que ocupo nessa luta. A discussão sobre o lugar de fala foi muito importante para estabelecer o protagonismo de pessoas negras contra o racismo. No entanto, isso não pode significar o silêncio branco diante da injustiça racial, e não pode nos eximir da responsabilidade de discutir e de desempenhar papeis ativos nessa luta.
Racismo no Brasil: em primeiro lugar, saia da defensiva
Algumas frases são típicas de pessoas que estão na defensiva quando a discussão é racismo: “Que pessoal mais chato”, ou “Isso é racismo contra brancos”, “É tudo racismo para esse povo”, e até o “Você que é racista por trazer a tona a raça da pessoa.”.
São frases clássicas que todo mundo que já tentou debater racismo no Brasil já ouviu. Ouso afirmar que a maioria (se não todo mundo), já disse pelo menos uma frase dessas. Por mais que ouvir certas coisas doam no seu ego, ou que você ache que pareça uma bobagem, escute. Discutir o racismo é muito incômodo porque nos desloca do nosso local de privilégio. Eu aprendi e continuo aprendendo depois de muitas e muitas críticas, de muitos esporros, de muitos debates e de discussões.
Em um mundo que silencia vozes negras, ouso dizer que a principal contribuição que uma pessoa branca pode fazer contra o racismo é a de compreender e escutar o que está sendo falado.
Não existe racismo reverso
Obs: para ativar as legendas, clique em “CC”, na barra inferior do vídeo.
A pessoa negra continua sofrendo racismo mesmo se for rica
Teve uma época que eu duvidava dos relatos de algumas pessoas sobre o racismo. Eu pensava “como é possível que essa pessoa sofra racismo se ela é rica, ou se tem um padrão bom de vida?”. Cilada, Bino! O racismo no Brasil independe de classe.
No Brasil, a maior parte das pessoas pobres são também negras e isso não é uma coincidência. É comum ver mulheres negras como empregadas domésticas, mas não como médicas, ou celebridades de sucesso. Quando algumas pessoas negras conseguem ascender, surge uma pancada de textões no facebook que acusam essas pessoas de “capitalistas“, “pelegas“, “exploradoras” e de toda a sorte de nomes feios. Curiosamente, isso não acontece com as pessoas mais ricas do Brasil e do mundo, que são a. homens e b. brancos. (que surpresa, né?)
Das vinte pessoas mais ricas do mundo, apenas duas são mulheres. Nenhuma dessas pessoas é negra. E apenas uma tem nacionalidade não-europeia e não-estadunidense. A partir disso, a gente vê que não é só uma questão de raça, mas também de gênero.
Não queremos o ranking mais representativo das pessoas mais ricas do mundo. Mas é importante entender que essa desigualdade absurda só se mantêm porque existem diferenças de gênero, de raça, de centro e de periferia. Ainda: é fundamental que saibamos que as pessoas negras continuam sofrendo com o racismo mesmo quando ascendem social. Sejam essas pessoas o Emicida, o Pelé, a Maju ou a Taís Araújo.
Não reduza negras e negros ao racismo
Sabe quando mulheres tornam-se mães, e de repente, todo mundo reduz a vida delas à maternidade? Não tenho filhos, mas imagino que seja um saco, né! Imagine, a criatura já é mãe em tempo integral, muitas vezes sem apoio do pai, e ainda é obrigada a falar de fralda e de bebê o tempo todo? É muito horrível quando mães têm suas subjetividades reduzidas a maternidade.
Ocorre um fenômeno muito semelhante com o racismo. É importante demais discutir racismo, mas é muito perigoso reduzir as pessoas negras às opressões que sofrem.
Há um tempo atrás, eu vi um texto no facebook que criticava justamente esse lance de achar que todas as pessoas negras necessariamente sambam bem, amam feijoada, não podem ser vegetarianas e são militantes e ativistas em tempo integral. (Nota: não consegui achar o textão, nem quem escreveu. Por favor, me mandem se vocês encontrarem!)
Ainda: não é porque a pessoa é negra, que ela necessariamente seja ativista contra o racismo ou discuta o racismo em todos os ambientes que está. E poxa, essa pessoa realmente não é obrigada a fazer isso. Ser negro ou negra em uma sociedade racista significa ter a subjetividade negada o tempo todo. Então, uma pessoa negra não é obrigada a cursar Sociologia e pesquisar o racismo. Ela não é obrigada a gostar de feijoada.
A partir disso, do local de fala branco, podemos adotar algumas medidas práticas:
a) não transforme pessoas negras em enciclopédias do racismo, a quem você pode recorrer sempre que tiver “uma dúvida”;
b) não reduza pessoas negras a esteriótipos e exotismos; e
c) não deslegitime o que fazem porque são negras, seja balé, seja pesquisa acadêmica sobre golfinhos ou motor de carro (?).
Desculpa gente, mas claramente sou de humanas
Fale em situações em que não há vozes de pessoas negras
Sabe quando aquele seu primo chato faz uma piada de mulher no trânsito, e te chama de surtada porque você retrucou? No entanto, se o seu tio, ou quem sabe até o amigo, o repreende, esse mesmo primo acata? Ainda que uma mulher tenha falado a mesmíssima coisa. Algumas configurações sociais silenciam os negros não só no sentido de minar a legitimidade do que falam, mas excluindo efetivamente suas presenças físicas corporais dos espaços. O ideal é que sempre pessoas negras falem. Mas, se estivermos em contextos que não há essas vozes, temos a obrigação de usar nossos privilégios para denunciar situações de injustiça.
No entanto, você deve se policiar para não atropelar falas de pessoas negras
Como pessoas brancas que são pró movimento negro, devemos sempre ter a consciência que jamais saberemos o que é sofrer racismo no Brasil. É apenas por meio do convívio com pessoas negras que percebemos o racismo em sua dimensão de hierarquia, que não nos atinge enquanto brancos. Ao contrário, esse sistema nos beneficia. Então não importa o quão revoltante você ache que é, o protagonismo não é nosso, enquanto brancos.
Quando assumimos os cabelos crespos e cacheados, descobrimos um mundo enorme de debates sobre feminismo, identidade e racismo. Muitas vezes, é justamente através da transição capilar, que a gente descobre que não existe democracia racial no Brasil, e que vivemos em um país desigual e segregador. Apesar disso tudo, e de entender que o nosso trabalho de formiguinha é fundamental, se você é branco, não se sinta o protagonista de uma luta que não é nossa.
Blog Comments
Iris L
20 de novembro de 2016 at 22:20
Sei que não tem nada a ver com o post mas preciso tirar uma dúvida e que correr pro mais recente post, mas enfim. Eu queria saber, não sei se é possível, é a patir de que mês de uma transição que os cachos começam realmente a definir? Estou há 5 meses pelo processo, mas minha parte da frente não cacheia, ela fica muito sem forma, se bem que acho que é scab hair, mas se for, quanto tempo leva para sair o scan?
Raysa França
5 de dezembro de 2016 at 19:36
não tem tempo definido.. beijo :)
Linkagem de Segunda #55 – Sem Formol Não Alisa
21 de novembro de 2016 at 23:46
[…] Racismo no Brasil: todos têm obrigação nesta luta, Raysa França no Cacheia! […]
Mellissa
12 de abril de 2018 at 09:17
Olá,
Eu li o texto. Muito bem escrito!
Mas confesso que não concordo com uma parte. Eu estudo letras e vou lecionar literatura em escolas de ensino básico. Sou branca e acho que devemos sim falar de racismo.
O quanto pudermos, ainda mais nós educadores.