Nós já discutimos aqui no Cacheia várias vezes sobre a natureza política do ato de se naturalizar e aceitar as nossas molinhas! Já conversamos sobre feminismo e identidade negra, sobre o ato de cachear, e também sobre “a ditadura ou reação” de quem deixa de alisar os cabelos. Então vocês me perguntam: o que amizade entre mulheres tem a ver com os nossos cabelos? E o pior, o que tem de político nisso? Calma lá, bonitezas! Já vou explicar tudinho “Por que a amizade entre mulheres é um ato político?”
“O pessoal é político”: a diferença entre o público e o privado
Antigamente, o terreno da política se definia por aquilo que estava “fora do lar” das pessoas. Os domínios da vida doméstica eram interpretados de forma isolada, ou seja: O que acontecia dentro da sua casa, ou da sua vida privada, não poderia ser definido como político. As discussões dos governos e dos Estados não poderiam inferir sobre as vidas domésticas. Como até bem pouco tempo atrás nós estávamos restritas a essa esfera privada, nossos direitos não eram discutidos como direitos políticos.
A partir disso, nós podíamos inferir que:
– O marido bateu na mulher? Isso não é político, afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, né?
– O pai espancou o filho? Claro que isso não é político, ele é pai da criança, e se colocar contra isso é interferir na vida privada dele!
– O marido estuprou a mulher? Isso também não é político, afinal eles são casados e a esposa deve estar sempre disponível ao marido.
– Você resolveu assumir o seu cabelo natural? Olha, você não pode falar que isso é política, afinal é uma decisão individual e estética sua.
Certo? Não! Errado! Ao contrário do que afirmavam alguns teóricos, o ambiente doméstico é também marcado por relações de poder e de dominação. Nesse contexto, o público e o privado são inseparáveis; As mesmas estruturas que relegam menos poder às mulheres na vida pública, também constrangem e reduzem sua liberdade de ação na vida cotidiana.
No caso específico dos nossos cabelos, à primeira vista pode parecer que o alisamento é mera escolha individual: porém quando descobrimos que existem tantas meninas sofrendo para alisar, quando percebemos que existem cabelos tachados como “feios, sujos, duros e ruins” em detrimento de outros, percebemos que existem relações de poder que apontam para racismo velado em nossa sociedade. Não é normal que tenhamos medo de ir para uma entrevista de emprego com os nossos cabelos naturais. Também não é nada natural que quase não existam bonequinhas com o cabelo crespo. Pior: não é normal que a maior parte das celebridades tenha cabelo liso, e as que não tem, sofram preconceito na própria televisão.
Estão vendo como o pessoal é político e regido por estruturas sociais que também atuam na vida pública?
Toda vez que você decide naturalizar, você diz um basta para isso tudo! Você cria rupturas que geram conflitos, e a partir dos conflitos, você provoca mudanças.
Ok, você me convenceu: o privado também e político! Mas o que tem a ver com a amizade entre mulheres?
O machismo e o patriarcalismo nos ensinam que mulheres naturalmente competem entre si, fofocam e sentem inveja uma da outra! Isso é bobagem pura. Não existe nada de biológico, ou natural, não existe uma “natureza feminina” que diga que nós devemos competir e brigar entre nós.
O patriarcalismo promove a existência de um pacto entre os homens, conhecido como fraternidade, que os reconhece como parceiros e sujeitos políticos que excluem as mulheres. A sororidade é o pacto “entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo.” Ou seja, toda vez que você percebe que as mulheres são suas irmãs, e você trabalha em cooperação com elas, você percebe que contribui para o emponderamento coletivo de todas as mulheres.
E onde entra o cabelo nisso?
Nós já sabemos que existem padrões que nos aprisionam, e que algum dia nos forçaram a “alisar” o cabelo, nos forçaram a nos encaixar. Quando entramos em transição, quando deixamos nossas molinhas lindas e naturais, nós quebramos com esses padrões e assumimos uma nova identidade. Bom, a amizade entre mulheres entra nisso: incentive suas amigas alisadas a aceitarem o cabelo natural, porém não force: entenda que cada uma tem um tempo, não utilize isso para diminui-la. Entenda também que continuar alisada não significa que alguém não tem personalidade própria. Mulheres podem escolher não alisar, e isso não faz com que sejam menos emponderadas ou que sofram menos com machismo que outras mulheres.
A sororidade também entra no apoio às mocinhas que estão entrando em transição. Compartilhe pensamentos, crie uma rede de amor e suporte à elas. Lembrem que são momentos difíceis para todas. Elogie crespas na rua! E não substitua um padrão pelo outro: todo cabelo é lindo, e nós, mulheres, não temos que nos submeter a nenhum padrão.
Vamos nos amar para acabar com o patriarcalismo!
Blog Comments
Bruna
5 de junho de 2015 at 06:33
Cara…… Amo vcs <3
Melhor blog!
Raysa França
5 de junho de 2015 at 09:39
Linnnnndja!!!! <3 Haha
Cris
5 de junho de 2015 at 10:35
Ótima colocação entre a sororidade e aceitação da identidade, o apoio das amigas nesse momento de transição é fundamental importância! Meninas cada dia mais encantada com a Página cacheia, sempre com algo novo pra nos surpreender, ou melhor nos prender a vocês…. amo demais
Raysa França
6 de junho de 2015 at 12:15
Cris, o apoio das amigas é fundamental pra tudo SEMPRE and always!!! :DDD
Hahaha Obrigada, beijocas
Nicolly Menezes
5 de junho de 2015 at 12:12
Nossa ótimo esse texto , amei cada palavra ♥♥♥
Parabéns Rayza França
Raysa França
6 de junho de 2015 at 10:51
Muito obrigada, Nicolly!!! :DDD :*
Vanessa Costa
5 de junho de 2015 at 20:29
Nada tem o seu conteúdo político esvaziado, nada, e isto incluí nossas ondas e cachos.
Raysa França
6 de junho de 2015 at 10:40
Vanessa, exatamente! É isto que o post fala: tudo e qualquer coisa é política!
Beijocas
Mariana
6 de junho de 2015 at 00:06
Pode votar nesse post como o mais lindo de toda nossa história?
Pode curtir mil vezes?
Pode agradecer aos céus por poder fazer parte disso tudo e ainda aprender TODO dia com cada uma de vocês?
Definitivamente, todo o meu amor <3
Andreza Priscila
6 de junho de 2015 at 03:24
Em cada palavra eu vou nutrindo mais admiração!!!!
Obrigada por tanto carinho.
Não canso de dizer: Amodoro esse blog!!!
Raysa França
6 de junho de 2015 at 10:39
Andreza, linda linda linda!!!
É isso aí mesmo, irmandade entre mulheres é possível! <3
Beijocas
Amanda
11 de junho de 2015 at 12:35
Uaaal a cada post mais apaixonadaaa pelo Cacheia <3
Como ja disse em um comentário anterior em um dos posts, estou em transição e ao contrario do que imaginei minhas amigas estão me dando um super apoio, me incentivando, me ajudando na texturização pra disfarçar as partes lisas rs minoria foram contra e isso é motivador porque de fato eu me aceitei como sou e as pessoas ao meu redor também!
Parabéns meninas por se disporem a trazer o amor próprio e a aceitação a nós cacheadas ocultas rs
Ja amoooooo vocês de paixão <3
Raysa França
25 de junho de 2015 at 19:32
Aaaaaamandinha, obrigada!! <3
Ai, azamiga são lindjas demais, né? Hahahaha Amo/sou sororidade!
Lindaaaaa, fquei mto feliz com seu comentário! <3 <3 <3
Amor pra ti!
Ana Carolina
8 de junho de 2015 at 21:10
Oi, Raysa, tudo bem?
Faz um pouco mais de 1 mês que acompanho o blog de vocês e gostaria de dizer que foi a leitura dele que me fez decidir parar de usar química nos meus cabelos cacheados ( utilizei alisamento/relaxamento por pelo menos uns 12 anos), assim, estou no início da fase de transição. Tenho me sentido muito bem, sei que vou passar por mudanças na estrutura do cabelo (parte crescida mais lisa em comparação com a raíz mais cacheada), mas tenho certeza de que vai valer a pena, pois não vou mais maltratar meu organismo (ás vezes eu até mesmo queimava meu couro cabeludo por causa da química forte) e assim me aceitar mais. fora que um dia desses eu estava me olhando no espelho e aí veio a pergunta: “você tem a noção de como seu cabelo vai ficar quando ele voltar ao normal?”. Aí respondi pra mim mesma ;” poxa, não sei, pois nem lembro como ele era antes….”. Aí me dei conta do absurdo de não me lembrar como era antes, somente de dificuldade de cuidar dele, de deixar sempre ele preso e de gracinhas que já ouvia na rua ( mesmo eu sendo ainda criança)sobre o meu cabelo armado. Bom, estou ansiosa para lembrar dele e tenho cuidado dele com muito carinho e sempre acompanhando vocês.
Ah, gostaria de deixar uma dica sobre esse assunto de aceitação do cabelo cacheado, realizado pela fotógrafa Maria Reis, que, através do projeto chamado “Projeto raízes” mostra depoimentos de mulheres negras que deixaram de alisar seus cabelos e o desafio delas neste processo. Soube dele pelo blog Lugar de Mulher (link: lugardemulher.com.br/projeto-raizes/).
Um grande abraço!
Raysa França
25 de junho de 2015 at 19:26
Eeei Ana!!!
Poxa, que lindo! Vc não sabe o quanto eu fico feliz ao ler estas coisas <3
Legal demais!
Olha, vai valer a pena tanto no físico, quanto no psicológico e pra sociedade também, sem brincadeira! :DD Haha
Muuuito obrigada pela indicação, vou dar uma olhada no projeto!
Beijocas
Posso alisar o meu cabelo? | Cacheia!
15 de junho de 2015 at 15:29
[…] a Raysa falou de sororidade no post Por que a amizade entre mulheres também é um ato político? Eu fiquei apaixonada! Por que gente… essa é a base! Se você passa a ver a outra como sua […]
Midiã Pimenta
8 de julho de 2015 at 02:47
Se eu pudesse gritar a palavra que está entalada na minha garganta pra expressar o quanto maravilhoso eu achei esse texto eu certamente gritaria…. Parabensssssss amei demais
Raysa França
13 de julho de 2015 at 22:36
Midiã, se eu pudesse gritar o quanto eu fiquei feliz com seu comentário, eu gritaria! <3 ahhahah Beijocas
Como incentivar sua mãe a usar o cabelo natural
21 de agosto de 2015 at 00:21
[…] já falei aqui no blog sobre a sororidade, que é um pacto de irmandade e amizade entre mulheres. Esse pacto se estende pra todas, e isso […]