“Hoje um garotinho aparentando seus dois ou três anos de idade me parou e disse:
– Ô tia, tia!
– Que foi menino?
– Seu cabelo é feio! Eu perguntei:
– Porque você acha feio? e ele me disse:
– Por que tá assim bagunçado para cima. – E que ele aprendeu que mulher tem que ter o cabelo liso escovado. “Então eu fui tentar explicar, mas vendo que para aquela criança o que mamãe ensinou é a coisa certa, me abaixei e baguncei o cabelinho dele deixando ele “feio” também. O triste é que o garotinho é NEGRO, assim como eu.”
Quem conta essa história é Islane Moura, 21 anos, estudante de Biologia na Universidade Estadual de Santa Cruz, residente e amante de Ilhéus, Bahia. Ela desabafou esse texto em seu perfil em uma rede social.
Quem conheceu ela há quatro anos atrás, lembrará dela com o cabelo liso, escorrido, sem balanço e igual ao de qualquer outra mulher que use pasta alisadora de guanidina ou amônia. Mas de um tempo pra cá algo aconteceu no mundo “Islânico”.
“Eu olhava pra mim no espelho e achava “bonitinho”, porque eu não lembrava como era meu cabelo natural. Lembrava assim, bem vagamente da infância, mas era aquela coisa: tá arrumado, tá no padrão da sociedade, então tá beleza”.
A mudança do pensamento não foi rápida, mas foi intensa. Ela não teve medo, aos poucos começou a pesquisar como cuidar de cabelos naturais, olhar fotos de algumas pessoas, e aquilo foi ficando mais forte, e ela foi deixando o cabelo crescer, a raiz aparecer e o black respirar.
“Tive vontade de alisar de novo algumas vezes, por que quase não aguentei aquela situação de ter dois cabelos. Ter dois tipos de cabelos na cabeça é muito ruim, é o período mais difícil.”
Ter dois cabelos, um liso e outro crespo, não conseguir fazer nada com ele, se olhar e se sentir feia, ouvir os piadistas perguntando se está precisando de dinheiro para se arrumar. É o que mais doeu no período da transição para Islane.
Seu maior medo e seu maior questionamento eram: será que vai combinar assim? Mas por que não combinaria se esse é o meu cabelo?
E combinou! Hoje, com dois anos ao natural, ela exibe uma cabeleira saudável, seus cachos aonde passam chamam à atenção, tanto pelo cuidado, como pela cor. Atualmente, Islane está ruiva, e há quem chame-a de Ellen Oléria, a cantora. Pude presenciar uma cena dessas, quando andávamos e um rapaz a cumprimentou com um
“E ai Oléria”. O apelido não só devido ao cabelo, mas também pela aparência física e o jeitão firme de ser e lidar com a vida.
“Eu acho até engraçado, porque eu não me acho parecida não, mas dizem que o jeito, o estilo dela, que chega chegando com atitude, que parece comigo. Eu acho que parece em partes. Mas meu black é maior e mais vermelho (risos)”.
Quando se trata de preconceito, Islane tem uma porção de histórias para contar, desde a mulher que lhe negou um abraço por achar que em sua cabeça poderia morar uma colônia de piolhos, passando pela vizinha que a chama de árvore de pitanga embaraiada e manda ela pentear a juba, até o garotinho que achou seu cabelo feio por que é pra cima.
Mas Islane nem liga para isso, hoje ela curte uma liberdade quase igual à de um passarinho numa arvore de pitanga e não troca sua juba embaraiada por nenhuma progressiva.
“É liberdade, você se torna uma pessoa muito mais bonita, parece que o rosto muda, a aparência fica mais jovem, e não é só coisa de estilo não, é identidade, questão de negritude mesmo, de ser realmente o que eu sou, hoje eu olho no espelho e falo: agora sim, vai ali a negona!”
/ Texto enviado por Graci Sá, é baiana e forma da em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, e esta crônica faz parte de seu trabalho final de graduação. Trabalhou num foto documentário sobre a autoafirmação negra a partir do cabelo crespo.
Blog Comments
Bárbara Anastácia
27 de janeiro de 2015 at 22:25
Qual o nome do documentario?
Ana
29 de janeiro de 2015 at 12:06
Oi Bárbara! Procura ela no facebook e ela te passa. Na verdade é uma sessão de fotos :)
vania borba
4 de agosto de 2018 at 20:45
DESEJO MUITO ME ACEITA. AINDA NÃO CONSIGO ABRI MÃO DA QUIMICA