Esses dias vi fotos de blogueiras que, apesar de terem surfarem na onda do cabelo natural há alguns anos, agora exibem cabelos alisados. Longe de mim patrulhar como alguém quer ser, afinal, o nosso objetivo sempre foi o de defender a liberdade. Mas é inegável que parece que a “moda do cabelo natural” passou, e o discurso ficou mais flexível. Ao invés de gritar pela valorização do cabelo crespo e cacheado natural, vemos algumas vozes que mudaram o discurso, e agora gritam por qualquer tipo cabelo de cabelo.
A moda do cabelo natural crespo e cacheado ficou para trás – Então, somos mais livres?
A Maressa tinha feito uma reflexão super bacana sobre cabelo crespo natural e moda. Lá, ela contou sobre como cabelo natural não é moda, justamente porque a moda é passageira. É preciso pensar se há igualdade entre cabelo liso e cabelo crespo no mercado de trabalho. Ou então, se diminuímos a pressão que mulheres negras sofrem para alisar o cabelo. Também, convém pensar se conseguimos atingir um pouco mais de libertação feminina contra pressão por um cabelo perfeito? Há liberdade na escolha do cabelo liso, ou é pressão estética? Cabelo liso ainda é hegemônico? É moçada, são muitas perguntas! Isso significa que precisamos pensar o que conquistamos até agora, e o que ainda precisamos conquistar. Agora que a moda do cabelo natural passou (ou não passou, ainda podemos discutir), ainda assim é importante re-afirmar o óbvio: ter o cabelo naturalmente crespo e cacheado é um ato político.
Quando perguntamos no instagram, muitas pessoas responderam que houve uma moda de cabelo crespo e cacheado. Outras, que a moda privilegiou apenas os cachos. Para nós, o problema de algo ter status de “moda” é que pode ser descartado depois, sem causar a mudança social que queríamos.
O Cacheia existe e advoca pelo cabelo crespo e cacheado natural desde 2013, e sempre fomos críticas a químicas de alisamento, mesmo as de “abrir os cachos” justamente porque acreditamos na beleza dos cabelos diversos. Todo cabelo é único e diferente, e defendemos que isso seja valorizado. Dito isso, vamos investigar se somos mais livres para abraçar a diversidade de cabelos.
A vida para quem tem cabelo crespo ficou mais fácil?
Perguntei no nosso instagram e no twitter se as pessoas se sentem mais livres para abraçar o cabelo natural. Muitas responderam que sim, e sabem, gatinhas? Fiquei super feliz com a notícia. No entanto, outra parcela relatou dificuldades com a aceitação.
- Teve gente comentando que só sente bem se o cabelo estiver molhado.
- Outras pessoas estão felizes, mas encontram muita resistência e críticas da família.
- Por outro lado, tem gente que sente dificuldade de aceitação no emprego, e acreditam que dependendo do tipo de trabalho, cabelo natural não seria aceito. (Atenção: se você sofre ou sofreu racismo no trabalho, já escrevemos sobre aqui no Cacheia)
- Várias pessoas já quiseram voltar a alisar após a transição capilar.
- Algumas estão mais confortáveis, mas ainda tem que lidar com comentários desagradáveis
Este ano, vivemos mais um caso de discriminação na escola de uma criança que tinha cabelo crespo. Então ainda é relevante a pergunta: avançamos tudo o que queríamos avançar?
Essas questões me fazem refletir que conquistamos maior positividade para lidar com o cabelo naturalmente crespo e cacheado. Apesar disso, ainda temos entraves a nossa liberdade completa. Um desses obstáculos diz respeito a ideia de que você pode ter cachos, desde que sejam perfeito.s
Quanto de você é consumido pelo seu cabelo?
Você já sentiu, ou ouviu de alguém falar que cuidar de um cabelo natural dá mais trabalho do que cabelo liso? Além disso, quantos reais do seu orçamento você separa por mês para cuidar do cabelo? Mais importante: quanto tempo você dedica pro seu cabelo? Você é dessas que passa um milhão de cremes, método LOC para lá, metódo CREOGEL para cá, fitagem, cronograma capilar com hidratação três vezes por semana, borrifador na cabeceira da cama. É preocupação na hora de dormir, na hora de acordar, quando está abraçando com a pessoa amada, quando está subindo no pé de manga ou caindo na piscina. Você se identificou com isso?
Opa, tantas perguntas! Calma lá! Ainda tem mais.
Você acha cuidar do teu cabelo um trabalho cansativo? Não tem nenhum problema dedicar ao seu próprio cabelo e a você, mas se você sente que está perdendo o tempo, e dinheiro, e que está sendo difícil demais: não é tempo de repensar suas escolhas pelo cabelo natural? O que você busca quando dedica tanto tempo para o cabelo?
Estamos muito felizes que as marcas finalmente perceberam que cabelo natural crespo e cacheado dão dinheiro. Mas isso leva a uma valorização do cabelo crespo?
Aceitamos todo tipo de cabelo natural, ou só cabelos com cachos perfeitos?
Nesse sentido, todo cabelo natural está na moda? O que eu vejo é um milhão de produtos e técnicas criadas para fazer esse tipo de cacho abaixo de celebridade: o cacho perfeito, que não tem tanto volume, é o cacho tipo 2c-3b. Não é para isso que defendemos cabelo natural. A busca por um “cacho perfeito” é uma busca incansável e que não deveria ser pauta e muito menos prioridade, porque não valoriza o cabelo real, que nasce da cabeça das pessoas, e que não precisa de tratamentos mirabolantes para ser lindo.
O cabelo cacheado representado na mídia e por muitas marcas é resultado do racismo na cultura brasileira. Graças ao racismo, o cabelo cacheado é valorizado em contraste ao crespo. Importante refletir que racismo não é sobre ações pontuais, mas é construído no cotidiano, e alimentado todos os dias por meio de falas, violência simbólica e constrangimentos. No Brasil, o racismo opera por meio de vários mecanismos: limitando o acesso a educação, a saúde e a segurança, e também por meio da discriminação da pele e das características físicas. Cabelo crespo é percebido como “ruim” ou “duro” ou “desleixado” ou até como cabelo com piolho. Nesse movimento de aceitação, será que a valorização do cabelo crespo ficou para trás? Se sim, por que? Se ficou para trás, é importante relembrar que assumir o cabelo crespo, valorizá-lo, abraçá-lo em suas características únicas é um exercício mais político do que nunca.
Por que você parou de alisar? – a moda do cabelo natural influenciou
Se você passou pela transição capilar, tente se lembrar do motivo. No meu caso, eu estava preocupada com os componentes cancerígenos de alisamentos, e estava me sentindo muito “igual a todo mundo”. Eu era recém saída da adolescência, e estava desesperada por originalidade e por algum tipo de identidade única. Bom, ainda acho esses motivos válidos, gosto de ter um cabelinho tão único e de cuidar da minha saúde. Mas eu sei que se eu dedico tempo demais para cuidar do cabelo, eu vou acabar desistindo. Por isso, eu converso comigo mesma que as vezes meu cabelo vai ficar frizzado, que pode ser que eu vou ficar uma semana com um coque esquisito e super embaraçado, mas que está tudo bem. É muito importante ter expectativas realistas do seu tipo de cabelo e da sua rotina. Seu cabelo deve se adaptar a sua vida e não o contrário.
Tenha expectativas realistas: aceite seu cabelo como é
Quando você busca vídeos e tutoriais no youtube, você acha que seu meu cabelo se parece com o cabelo de quem está prometendo um super método de cachos perfeitos? Nesse caso, é sempre bom pensar se você transicionou pro seu cabelo natural. Ou então, se você mudou do liso escova para um cabelo artificial que parece babyliss. Nesse sentido, a parte mais importante para evitar frustração, e muito trabalho, é aceitação do seu próprio tipo de cacho.
Por que nosso objetivo não é “estar na moda”?
- Em primeiro lugar, como a Maressa já tinha falado por aqui, ter cabelo natural não significa ter estilo ou ter personalidade. Você não precisa ser uma fashionista do instagram para ter o cabelo que você quiser ter, basta simplesmente escolher ter o cabelo natural e pronto.
- Seja forte e atenta ao seu próprio objetivo.
- Não tenha vergonha de responder comentários maldosos, quem se sente no direito de interferir nas escolhas do seu corpo, deve estar preparado para ouvir também.
- Em último lugar, pratique a aceitação! É a parte mais importante de todo o processo.
Leave a Comment