Mulheres negras, moda e racismo

Temos assistido alguma mudança na relação entre mulheres e presença midiática, isso é fato. Tendo a pensar que essa inclusão é resultado da cobrança por mais representatividade puxada por movimentos sociais e pela própria mobilização das redes sociais. Então não estamos falando aqui de concessão, mas do resultado de debates que já vem sendo feitos no sentido de valorização da estética negra.

Existem mais mulheres negras na moda, mais produtos voltados para cabelos cacheados e crespos, maquiagens para pele negra. Pode parecer bobagem, mas para muitas de nós encontrar produtos específicos como uma base que funcione para o nosso tão de pele já foi coisa extremamente complicada. Claro que há um interesse mercadológico aí, a indústria de cosméticos no Brasil está entre as maiores do mundo e sabe captar bem o momento. Mas não dá para negar que para muitas pessoas esse processo é muito importante.

Pra muitas de nós, ver uma negra do outro lado da tela ou na capa de uma revista é se sentir representada por ela.  Isso fica evidente, principalmente se considerarmos que por muito a representação de mulheres negras na televisão por exemplo, se reduzia a papéis secundários e baseou-se em estereótipos do modo como as mulheres negras se comportam e se colocam: a favelada barraqueira,  a empregada “atrevida” que se mete na vida dos patrões, e por aí vai.

Recentemente alguns casos começaram a chamar muita atenção e contribuem para engrossar o caldo dessa discussão sobre representação midiática e racismo. Por aqui, a lindíssima Raíssa Santana acaba de conquistar o título de Miss Brasil. Lá fora, a modelo senegalesa Khoudia Diop também tem feito sucesso. Mas em muitos desses casos há sempre uma dualidade. Se por um lado observamos que existe uma luta pela representação de mulheres negras nesses espaços, por outro alguns acontecimentos insistem em dizer que este não é nosso lugar. São muitos os ataques direcionados à imagem dessas mulheres nas matérias sobre o assunto e nesse escopo vale abrir um parêntese aqui para lembrar também de notícias relacionadas à estética negra e ao racismo que incide sobre nossos corpos. Na vida cotidiana por vezes estudantes são impedidos de se rematricular por seu cabelo black, profissionais são constrangidos por seus empregadores por usarem o cabelo natural, alguém é barrado porque seu cabelo é considerado volumoso demais para uma foto 3×4. 

Quem define que nossos cabelos ou nossos corpos não se encaixam no padrão?  Quem foi que definiu que cabelo crespo não combina com ambiente escolar ou com determinado posto de trabalho?

Raissa Souza. Foto: Lucas Ismael / Divulgação Miss Brasil

Raissa Santana. Foto: Lucas Ismael / Divulgação Miss Brasil

Me chama atenção que por vezes, quando uma mulher negra chega a uma posição de destaque como é o caso da nossa lindíssima Miss Brasil, uma discussão paralela tem início. Basta ter um pouquinho de curiosidade e estômago forte para ler os comentários das matérias e atestar que a presença negra em certos espaços incomoda. E se existe discussão, é porque a presença negra criou a fratura, uma quebra no script.

Antes do Miss Brasil, me lembro de ter visto um comentário sobre a vitória de uma miss negra num estado que sugeria a necessidade de criar um concurso separado só para negras, porque segundo a perspectiva daquela pessoa as candidatas negras não deviam ser comparadas à beleza das candidatas brancas. Com isso fiquei pensando que a presença de pessoas brancas em espaços de destaque por vezes não é discutida, passa batido dentro dessa suposta normalidade das nossas relações sociais. Mas se uma negra alcança esse lugar a situação muda de figura.

Acrescentando mais pimenta, me pergunto também quem fica de fora. Essa inclusão que estamos tratando é importante mas ela continua obedecendo a um certo recorte. Acho que vale observar  que a inclusão não é total. Por mais que existam mulheres negras que estão na mídia e na moda, existem muitas outras de fora. Por vezes permanece o padrão de magreza por exemplo.

 mulheres negras, moda e racismo  Khoudia Diop

Khoudia Diop. Foto: @islandboiphotography Divulgação: @melaniin.goddess

Recentemente a modelo senegalesa Khoudia Diop virou notícia e muito se comentava sobre a beleza da tonalidade escura da sua pele. Por outro lado, para algumas pessoas sua cor é “escura demais”. Em outras palavras, “escura demais” pra ser considerada bonita. E mais do que isso: de acordo com um desses comentários ela é escura demais pra ser considerada humana e pertenceria a “outro estágio de evolução”. Somam-se a esse tipo de comentário também os comentários machistas que insistem na sexualização da mulher negra e que colocam em questão se seria desejável ou não manter uma relação sexual com a modelo.

Isso me leva a pensar que existem traços físicos mais aceitos que outros, mesmo quando estamos falando da inclusão de mulheres negras. Traços como cabelo crespo, largura do nariz, tamanho dos lábios, tom de pele, etc; são alvo de discriminação. Nesse sentido, o racismo acaba por apontar quem serão os sujeitos tolerados e quais ficam de fora.

Há quem use a presença de homens e mulheres negras em posições de destaque como uma espécie de confirmação da existência de uma democracia racial. No caso sobre a vitória de uma Miss negra  muita gente opinava no sentido de que “pouco importa se a miss é negra, ela é linda, chegou por mérito dela”. O que reflete esse imaginário de uma democracia racial sem conflitos.

Mas a gente sabe que a coisa não funciona bem assim. Pensar que “tudo vai bem, obrigado” e que não precisamos discutir o racismo nas nossas relações é um problema porque essa perspectiva acaba por omitir as mais diversas formas como o racismo se manifesta. Por vezes não está declarado, direto. Está lá nas minúcias. Se “não importa a cor”, porque o Brasil permaneceu por 30 anos sem coroar uma Miss Negra?

Estou querendo dizer com isso que a presença de mais homens e mulheres negras na tv, nas revistas, nas propagandas ou nas passarelas é muito positiva e contribui para mais representatividade. Isso é também parte das nossas lutas. Mas isso ainda não representa uma mudança de quadro, por isso permanece a necessidade de discutir racismo no Brasil e de apontar para o lugar de desigualdade no qual a população negra se encontra.

*Este texto é uma adaptação de entrevista concedida ao Programa Conexões, da Rádio Educativa da UFMG.

Fotos:

Raissa Santana. Foto: Lucas Ismael / Divulgação Miss BrasilKhoudia Diop. Foto: @islandboiphotography Divulgação: @melaniin.goddess

Maressa De Sousa

Maressa, 30 anos, baiana. Cientista Social, mestra em Antropologia. Terapeuta capilar, cabeleireira e trancista. Ama filmes e livros de ficção. Para ela, a transição capilar marcou o início de muitas outras transformações.

Blog Comments

É essa ideia de “democracia racial” que o povo finge que existe que acaba com toda a discussão sobre racismo no Brasil. Você começa a discussão e lá vem os argumentos de que não é assim, que tem negro em tal lugar, que as pessoas exageram, e isso e aquilo, e a gente fica sem argumento. E aí, como você mesma disse, começa essa história de que as pessoas conseguem as coisas por mérito e não pela cor de pele (ignorando completamente o contexto onde as pessoas viveram, as opressões que sofreram, etc.) e fica complicado fazer as pessoas pensarem um pouco. Mas a gente consegue com o tempo :)

Oi! Concordo plenamente com vc, fora que muitas vezes já ouvir dizer que não tem racismo no Brasil. Que é uma grande mentira vc que é uma pessoa mais “escura” que outras ou tem cabelos “ruins” sofre na pele o que é as pessoas te olharem de cima até embaixo ou olharem de “rabo de olho” e ainda assim insiste em dizer que não há mais racismo no país. Dai-me paciência e pessoas ignorante por causa da cor da pele ou do cabelo são somos dignos de conquistar as coisas, uma coisa que me deixa com raiva é a questão de que sempre que tem um negro fazendo alguma coisa a mídia divulga como o”primeiro” negro na fórmula 1, na casa blanca, etc., e assim se vai isso também é uma forma de racismo essa perseguição e comentários neste sentido.

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