Escrever histórias pode nos ajudar a sobreviver o apocalipse

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Quando eu era criança, cresci ouvindo histórias sobre o fim do mundo. Por causa disso, eu vivia ansiosa e com medo por esse momento terrível onde eu perderia tudo o que é material para a minha existência, sofreria e seria julgada pelos meus pecados pela eternidade. Viver sob a expectativa de repentina quebra pode ser muito estressante.
Levei muitos anos para superar essa ansiedade e, quando finalmente me senti livre, comecei a trabalhar com sustentabilidade e encontrei as mesmas narrativas apocalípticas incorporadas em narrativas de destruição ambiental.

Agora, com a epidemia do COVID-19 sinto que o mundo cai sob minha cabeça de novo. Estou a um oceano de distância da minha família e de amigos, sem ao menos saber quando vou vê-los de novo. O coração fica cheio de preocupação de pensar que enquanto sou contaminada por uma onda de pânico finlandesa, em que pessoas têm medo de acabar o papel higiênico e as férias, lá no Brasil as desigualdades determinam quem vive e quem morre. Quando escrevi este texto a primeira vez, estava pensando no aquecimento global e nas mudanças climáticas, que prometem um futuro difícil para nós. O sentimento com o COVID-19 é o de que temos uma luta difícil pela frente, mas também uma oportunidade de olhar como vivemos, e ter coragem de traçar um futuro diferente para nós.

Por que as mudanças climáticas são o apocalipse – e porque não são

Os significados comuns associados ao Apocalipse são destruição em massa, catástrofe, devastação e cataclismo. Esses significados são freqüentemente encontrados em discursos de senso comum, como “O mundo terminará em 12 anos se não lidarmos com as mudanças climáticas“.
A narrativa do apocalipse climático pode levar a uma ansiedade generalizada que é muito perigosa, justamente porque pode deixar todo mundo paralisado. Se tudo está perdido e o mundo está acabando, por que devemos agir?

No entanto, se pensarmos no apocalipse como seu significado original grego, que se refere à revelação, há muito potencial se interpretamos a crise climática como um apocalipse.
Momentos de crise podem ser esse ponto de mudança, onde nos é revelado que o atual sistema social e econômico não é sustentável. Devido a essa revelação, temos a oportunidade de mudar a forma como estamos organizados e mudar a política.

O que a crise com o COVID-19 nos mostra é que como vivemos é insustentável. Companhias aéreas não conseguem sobreviver com os seus negócios se não tiver gente viajando o tempo todo, excessivamente. O nosso sistema econômico não funciona se as pessoas não estiverem trabalhando jornadas longas e extenuantes de trabalho. Por que não estamos todos trabalhando meio período, e aproveitando o tempo com nossas famílias, passeando, exercitando e comendo bem? O corona virus mostrou que muito trabalho pode ser remoto, e que o conhecimento pode ser muito mais acessível do que é hoje.

Nesse sentido, a revelação da crise climática nos mostra que a ameaça é real e perigosa, mas também que ainda temos tempo e oportunidades para um futuro positivo.

A “crise do papel higiênico” com o COVID-19 e as prateleiras de supermercado vazias nos mostram que nossa realidade é tão permeada pelo consumo e consumismo, que não conseguimos ver nenhuma outra forma de lidar com a crise enquanto sociedade que não pelo consumo. Isso é assustador. É urgente que consigamos imaginar formas colaborativas, solidárias e ancoradas na comunidade.

O que é contação de estórias (storytelling) e o que tem a ver com mudanças climáticas?

Contar histórias descreve as práticas sociais e culturais de contar histórias/estórias e narrativas. Essas histórias podem ser compartilhadas para fins educacionais, ou para entreter, preservar uma cultura ou até promover certos valores morais.

As histórias/estórias podem ser conceituadas como uma combinação de três elementos: enredo, caráter e moral. Existem várias maneiras de criar e compartilhar histórias:

  • Através da música e dança;
  • Por meios audiovisuais, como filmes, programas de TV, podcasts;
  • Através de peças escritas em livros, blogs, e-books;

As histórias/estórias são uma ótima ferramenta de mudança. Eles podem ajudar a tornar as relações causais mais visíveis, podem ajudar os autores e o público a processar informações muito complexas (como momentos de crise e projeções sobre o futuro) e, o mais importante, podem fornecer o contexto social necessário para entender melhor as mudanças, como o aquecimento global.

A escrita criativa é uma aliada importante

É ingênuo imaginar que podemos convencer as pessoas da urgência da crise climática, mostrando apenas fatos, porque narrativas e histórias com sentimentos, carne, e coração, fornecem os meios para as pessoas entenderem a realidade e debaterem valores morais. Nesse sentido, a maneira como apresentamos as informações é essencial para alcançar os objetivos que buscamos. As histórias podem não apenas pedir a mudança que precisamos, mas também podem oferecer informações sobre que tipo de mudança seria essa. Pensa na situação do corona virus. As estórias estão sendo contadas pelos meios de mídia, por formadores de opinião no twitter, por políticos que teimam em dizer que “não é nada demais” (sic). Todas essas estórias pintam um quadro que nos deixa paralisados, muitas vezes em pânico, as vezes pouco reativos. Mas podemos ser criativos, e pintar a nossa própria realidade com cores próprias.

  • Contar histórias nos permite mudar a perspectiva, convidar o público a andar no lugar de outras pessoas, fazê-las experimentar sentimentos diferentes.
  • Também dá ao autor dessas histórias o poder de desenhar um cenário diferente e interpretar a crise como desejarem.
  • Forneça um contexto para a crise
  • Debater valores morais – o que é importante para nós? Como vamos proceder de maneira ética daqui para frente?
  • Chamar para a mudança
  • Nos permite experimentar um mundo diferente
  • Debata que mudança seria essa
  • Treinar empatia
  • Experimente sentimentos diferentes
  • É arbitrário – o autor pode lutar contra grandes narrativas para criar um cenário mais positivo

Por que quero escrever estórias sobre o clima – e por que te convido a fazer o mesmo?

  • Escrevendo estórias, eu consigo imaginar um futuro diferente do fim do mundo. Eu consigo imaginar um mundo em que tivemos uma revelação, e que conseguimos fazer a mudança necessária.
  • Escrever me ajuda em jornada pessoal de compreender as complexidades das mudanças climáticas, das crises, de estar tão longe de casa e do Brasil
  • É um exercício imaginativo, importante para quem quer enfiar o pé na terra, colocar as mãos na massa e buscar ferramentas de mudança

O desafio da epidemia do COVID-19 e da crise climática é agir sem entrar em pânico. Precisamos manter os pés enfiados na Terra porque a ameaça é real. Mas precisamos, e devemos sonhar com um bom futuro pra todos e para a nossa casa comum

Esse texto foi escrito como parte das atividades do Clube de Sustentabilidade e Impacto da Universidade de Tampere. Muitos agradecimentos a Eva Wissenz, que foi uma mentora incrível!

Raysa França

Raysa, 27 anos, vegana, belo-horizontina e mineira de coração. Cientista Social, mestranda, apaixonada com pessoas, animais, viagens, desenhos animados, culinária e cabelos.

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