No final do ano passado um acontecimento me marcou muito. Eu estava num sacolão sentada num banquinho quando uma mulher e uma criança entraram. Naquele dia não tinha feito nada especial, estava usando apenas meu black power solto e garfado. De repente, a mulher apontou e disse: “Olha filha, pergunta ela como é que ela deixa o cabelo assim”.
A menininha se aproximou e fez a pergunta. Tentei explicar da maneira mais simples possível, contando que usava um pouco de creme e depois penteava com os dedos. A mãe parecia muito interessada em saber mais detalhes e começamos um diálogo. Ela me contou que enfrentava dificuldades para cuidar do cabelo da filha. A menina parecia ter mais ou menos 6 anos e estava com o cabelo preso.
Então, enquanto eu conversava com a mulher e sugeria penteados e cremes para cabelos crespos, a menininha se aproximou e me abraçou. Em seguida, tocou meu rosto de leve com as mãos, aproximou sua bochecha da minha e me deu mais um abraço. Fiquei surpresa com o gesto doce e espontâneo e me senti extremamente feliz. Eu já a havia visto algumas vezes pelo bairro mas não sabia seu nome tampouco onde morava. Mais tarde não pude deixar de pensar que o gesto de tocar minha pele e meu cabelo significava algo importante. Aquilo apontava em algum nível para um momento de identificação. E ao lembrar daquela menina, acabei lembrando da minha própria infância.
Algumas crianças enfrentam problemas de autoestima desde cedo. Apelidos, comparações e ofensas estão presentes no cotidiano escolar de muitas delas. Infelizmente muitos casos de racismo na escola são minimizados ou omitidos. A existência de mecanismos institucionais para “abafar” o assunto e negar a ocorrência desses casos é lamentável já que com isso perde-se a oportunidade de debater o tema e pensar em novas formas de atuação da escola, novos meios de envolver essas crianças e construir um espaço muito mais acolhedor.
Recentemente, tive contato também com vários relatos que apontam para a postura inadequada de muitos educadores. A exigência de que crianças com cabelo cacheado/crespo só usem o cabelo preso ou escovado e os comentários racistas durante as aulas aparecem nessas narrativas. Não é difícil imaginar o efeito devastador desse tipo de constrangimento.
Às vezes o problema também está em casa e pode passar pela rejeição de parentes, pela reprodução de noções problemáticas como a separação entre “cabelo bom” e “cabelo ruim”, pelo incentivo precoce do uso de químicas de transformação e outras técnicas de alisamento, etc.
“Vem cá Ju, está na hora de pentear esse pixaim! Não sei o que faço com esse cabelo. “
“A Mari foi a única da nossa família que saiu com o cabelo mais ruim né Joana?”
É preciso considerar ainda que boa parte dos produtos destinados ao público infantil têm pouca representatividade negra e menos ainda representatividade negra e crespa. E isso não é banal. Essas imagens não deixam de ser em algum sentido, modelos de beleza e de comportamento.
Por tudo isso, o episódio que relatei inicialmente me marcou. Todas as vezes em que saio na rua e vejo uma cacheada/crespa, apesar de sermos desconhecidas, sinto que temos algo em comum, que compartilhamos um pouquinho de história. Todas as vezes que vejo uma nova foto num grupo ou na página do Cacheia de mais uma mulher que passou ou está em transição, me enxergo nelas também. E se sentir isso é importante para quem já alcançou a fase adulta, para as crianças que ainda estão num processo de construção da própria identidade é ainda mais.
Veja também:
Blog Comments
Íris
9 de maio de 2015 at 13:38
Apenas lindo. Me identifiquei muito com o texto. Queira muito ter encontrado vc quando criança :) O meu cabelo me fez crescer se sentindo a pessoa mais feia do mundo e ainda é assim. A escola de longe foi um dos lugares que me ensinaram o quanto o meu cabelo era “ruim”. Decidi entrar na transição porque estava cansada de me odiar. Ainda ta muito difícil. Hoje mesmo é um dia desses, mas aí eu leio uma coisa linda dessas e tudo muda. Obrigada! Beijo!
Maressa De Sousa
10 de maio de 2015 at 16:18
Oi Íris! Quero te desejar muita força na transição. Esse processo às vezes é complicado e exige muito da gente mas também traz coisas boas, muitas redescobertas sabe? Pra mim significou uma injeção de ânimo, de autoestima … Espero que seja assim pra você também. Muuuito obrigada pelo carinho <3 Um grande abraço!
Mary C
11 de maio de 2015 at 21:18
Eu também achei lindo… Rsrsrsrs… E também me lembrei da minha infância, quando queria ser como a Angélica: branca e loira. Só fui começar a aceitar a minha cor quando passei uma temporada numa colônia alemã, em Santa Catarina, e fui “aceita” pelos moradores de lá. Mas o problema com o cabelo persiste. Aliso desde criança. Porém, agora, está me dando uma inquietação, sempre que vejo um cabelo cacheado na rua, admiro. Mas ainda não tenho coragem de abandonar o relaxamento… Afinal, não sei como é meu cabelo! Rsrsrsrs… Enfim, acho que vai levar um tempo até eu resolver entrar na transição, isto é, se eu resolver entrar de fato na transição. Mas, enquanto isso, vou lendo e admirando textos como esse. Graças a Deus o nível de informação para cabelos cacheados e crespos mudou muito nos últimos anos. Acho que se fosse assim na minha infância, meus cabelos seriam diferentes… Rsrsrsrs… Beijos, Maressa!
Maressa De Sousa
12 de maio de 2015 at 17:32
Oi Mary, obrigada pelo comentário :D Também vivi um pouco disso, de nem lembrar como era meu cabelo. Foi tanto produto um atrás do outro que simplesmente esqueci … Estou do lado de cá torcendo pra que você tenha a força necessária pra um dia conseguir entrar em transição, nem que seja só pra redescobrir como é seu cabelo natural. *-* O que você comentou acerca das informações disponíveis sobre o cuidado com o cabelo crespo é verdade! Acredito que essa é uma resposta das marcas à uma demanda que tem crescido. E é maravilhoso saber que agora muitas mães já encontram bons produtos pra cuidar do cabelo das crianças *-* Minha esperança é que esse incentivo possa crescer ainda mais. Um grande beijo pra você também!
THAÍS
11 de agosto de 2015 at 18:27
isso também aconteceu comigo, não conhecia o meu cabelo por usar produtos desde criança… e pra não dizer que TODOS me desencorajaram, apenas meus pais e um dos meus amigos disseram seria boa idéia voltar a ter o cabelo crespo. Dentre os que desencorajaram: meu namorado e principalmente: o cabeleireiro!
Importante notar que existe um mito de que tratar do cabelo crespo é muito mais difícil e trabalhoso do que mante-lo alisado e eu fiquei com essa dúvida… mas é PURA mentira! Até porque eu não estava mais cuidando bem do cabelo liso, não gostava mais de mim daquela forma, agora cuido do meu cabelo com mais carinho pq gosto dele assim :)
Maressa De Sousa
11 de agosto de 2015 at 22:14
Verdade Thaís. As pessoas SEMPRE me perguntam se meu cabelo dá trabalho, e isso vem de uma crença equivocada de que os cabelos crespos são difíceis de cuidar e de manter. Às vezes essa ideia é fruto da ignorância, de pessoas que realmente não sabem cuidar de cabelos crespos. Outras vezes o problema é má vontade mesmo: de profissionais da beleza, de marcas, das pessoas. Isso porque as escovas progressivas, os relaxamentos, os alisamentos são considerados uma maneira de deixar os fios arrumados por meses, sem precisar fazer muita coisa. E quando a gente fala em cabelo crespo natural, sabemos que existem alguns cuidados necessários sim. Mas nada absurdo. Mesmo assim, nem sempre as pessoas estão realmente dispostas a cuidar dos fios e optam por aquilo que acreditam ser prático.
Jessica
13 de maio de 2015 at 11:02
Texto lindo e inspirador, acho q a grande maioria das pessoas q leram isso lembraram de suas infâncias é um tanto triste percebe q varias de nos passamos por algum tipo de racismo durante nossa infância, principalmente na escola.
Maressa De Sousa
14 de maio de 2015 at 20:24
Obrigada Jessica!
Noemi
16 de maio de 2015 at 17:50
Oi linda, parabéns pelo texto, lindo e emocionante. Tenho absoluta certeza que todas nós passamos pelas mesmas tristes e devastadoras histórias de rejeição étnica que se iniciou na infância e que até hoje persistem, mas tenho convicção de que juntas (crespas) vamos virar esse jogo. Eu hoje estou com 5 meses pós Bc e um pouco mais de 1 de cabelo natural, hoje minhas heroínas são vcs, que nos representam, nos ajudando e incentivam a amarmos e cuidarmos dessa nossa ancestralidade na forma de cabelos..muito obrigada linda!
Maressa De Sousa
20 de maio de 2015 at 18:24
Que amor *—* muito obrigada Noemi! Também acho que é possível virar esse jogo sim. E isso começa na construção de outros espaços de representação, começa na troca de experiências e no reconhecimento de trajetórias comuns, passa pelo fortalecimento da autoestima, pelo incentivo do cabelo natural e claro, pela discussão sobre esse ato que é estético e por vezes político. E assim aos pouquinhos, com um trabalho de formiguinha a gente vai conseguindo nossas pequenas grandes vitórias <3
Grazielle Cruz
25 de maio de 2015 at 22:45
Estou adorando o blog e me identificando muito! Ainda uso o cabelo alisado, mas tenho uma filhinha de 3 anos que tem um black maravilhoso! Sempre arrumo o cabelo dela de diferentes formas e valorizo muito o seu visual, para que ela possa criar uma identidade de amor com o cabelo natural, que eu ainda não tenho. Espero que com a experiência de cuidar do cabelo dela eu crie coragem e assuma o meu cabelo natural que eu nem sei como é, pois no meu primeiro relaxamento tinha apenas 5 anos….
Maressa De Sousa
30 de maio de 2015 at 10:34
Faz muito bem Grazielle! Parabéns *-*
Espero que um dia você encontre força e coragem pra redescobrir seu cabelo natural ^^
Abraços! Obrigada pelo comentário lindo!
Klecia farias
17 de junho de 2015 at 15:09
Olá tenho 31 anos e tenho duas filhas, uma de 15 (Hillary) e de 4( Eduarda), ambas tem os cabelos crespos, mas Eduarda tem cabelos mais grossos e deixo solto black msm, coisa linda. Mas muita gente acha lindo, mas já passamos por preconceitos, mas nada que nos abale Pq todos os dias falamos pra ela que ela é linda assim natural. Parabéns pelo blog muito legal, me tirou muitas dúvidas de como lidar com os cabelos delas. Bjs
Maressa De Sousa
19 de junho de 2015 at 14:05
Muito obrigada pelo carinho Klecia, fiquei muito feliz com seu relato! Continue apoiando sempre suas meninas <3 Ah, não sei se você já viu, mas a Mariana fez um post especial sobre os cuidados com o cabelos das crianças, talvez você goste: http://cacheia.com/2015/06/8-dicas-para-voce-aprender-a-cuidar-do-cabelo-cacheado-do-sua-filhao/
Abraços!
Nicole
17 de junho de 2015 at 20:48
Achei simplesmente lindo!! Eu,já sofri e ainda sofro muito com represálias e deboches de pessoas que tem “cabelos bons”, até hoje tenho alguns “ataques” kkk.., e sofro com a minha baixa estima, quando pequena e até pouco tempo já passei vários produtos em meu cabelo e já fiz varias químicas, nem preciso falar que isso acabou mais ainda com meu cabelo neh!! Hoje tento cuidar dele,quero aprender na verdade!!
Tento reduzir o volume e definir os cachos, meu cabelo é muuuito rebelde e por conta das químicas acabou que “estraguei’ meu cabelo!!
Você teria algumas dicas para me passar?? Beijos e desde ja muito obrigada, admiro muito seu trabalho!!
Maressa De Sousa
19 de junho de 2015 at 14:02
Oi Nicole, tudo bem? Levanta essa auto estima, você é linda :D Vou te mandar links de algumas postagens que podem te ajudar a cuidar dos seus fios:
1- http://cacheia.com/2013/12/5-dicas-para-cabelos-ressecadosfragilizados/
2- http://cacheia.com/2014/02/receita-de-nutricao-com-leite-de-coco-e-creme-de-leite/
3- http://cacheia.com/2014/12/hidratacao-com-babosa-aloe-vera/
E já que você se incomoda um pouquinho com o volume do cabelo, sugiro que você consulte essa postagem aqui:
4- http://cacheia.com/2014/07/redutor-de-volume-natural-e-hidratacao/
Abraços!
8 dicas para você aprender a cuidar do cabelo cacheado do sua filha(o) | Cacheia!
18 de junho de 2015 at 09:59
[…] o Yamasterol com 4 dicas 8 dicas para você aprender a cuidar do cabelo cacheado do sua filha(o) Autoestima infantil: cabelo crespo e representatividade Debaixo dos Caracóis da Jannine Borges Receita Caseira – Hidratação de Maizena e Mel […]
Ariane Andrade
18 de junho de 2015 at 11:34
Estou adorando o site!! As dicas são otimas e o site muito acolhedor! Tenho cabelo cacheado e sofria muitos problemas na escola por conta disso, tentava alisar, mas por algum motivo meu cabelo nunca reagiu bem as quimicas, sendo que seus efeitos nao duravam nem um mes.. Decidi deixar meu cabelo natural, e aboli ate a chapinha.. Hoje tenho o cabelo natural, e me orgulho muito dele! Ao ler essa postagem me lembrei tambem da minha infancia, de quando riam do meu cabelo, e de como o conceito de cacheado/crespo ser associado a “cabelo ruim” esta arraigado na sociedade, é uma coisa pessima, acho que nós precisamos tomar consciencia de nossas diferenças, tenha seu cabelo como ele é, aceite-se.. Talvez um grande problema de alto estima e depressão fosse evitado e resolvido se as pessoas conseguissem se aceitar como são, pararem dever defeitos onde nao existem!!
Maressa De Sousa
20 de junho de 2015 at 16:03
Pois é Ariane, as diferenças existem e isso é inegável mas são essas diferenças que nos fazem singulares :)
Obrigada pelo comentário!
Abraços! :)
Polyana Scrimim
12 de novembro de 2015 at 18:27
Olá! Acompanho sua página e para “trocar” uma ideia sobre este tema gostaria que vc soubesse o que acontece na escola em que trabalho. Graduei-me e fiz mestrado em Letras, dou aulas de língua portuguesa e tenho cabelo mais pra ondulado que cacheado. Como pesquiso para cuidar das minhas ondas, há um ano coordeno um projeto que, com base no que a internet disponibiliza sobre o tema, ensino minhas meninas todos os passos da hidratação e finalização, associando isso a Literatura Africana. Realmente a postura de quem participa muda de modo absurdo e os demais alunos passam a ver essas meninas, antes motivo de riso, como defensoras da identidade negra.
Ana Catarina
14 de novembro de 2015 at 17:49
Oi Polyana! Queremos saber mais sobre esse projeto! Mostra pra gente, pooooor favor <3
Daniela Andrade
10 de dezembro de 2015 at 12:22
Minha mãe nunca soube cuidar dos meus cabelos oque fazia ela cortar meu cabelo joãozinho, para uma criança que todas as coleguinhas tinham cabelo cumprido era bem difícil. Na minha família todos só sabiam dizer nossa como o cabelo dela é ruim ouvia isso das tias e de minha própria mãe minha irmã era a que tinha herdado o cabelo bom e eu a que tinha o cabelo ruim. Foi bem difícil de aceitar meus cachos algo que só aconteceu depois de adulta. Tenho uma menininha de 2 aninhos amo os cachinhos dela e vou ensina-la a ama-los também uma vez minha sogra me disse que tinha que usar creme para cabelos lisos em minha filha para o cabelo dela alisar. Respondi para ela que o cabelo de minha filha é cacheado e lindo e que continuaria a utilizar o creme para cabelos cacheados não vou deixar que ela passei pelo mesmo que eu passei quem não gostar que dê espaço por que eu e minha filha iremos passar com os nossos cachos.
Maressa De Sousa
24 de dezembro de 2015 at 12:50
Oi Daniela! Muito bom ler seu relato! Parabéns pelo cuidado e pela dedicação, pode ter certeza que isso vai fazer muita diferença na vida da sua filha :)
Abraços!
Janaina
12 de janeiro de 2016 at 12:04
Oi!! Tenho 2 filhas. Uma loira dos olhos verdes como eu, a outra puxou a família do meu marido, ela é moreninha de cabelos bem cacheados. Sou suspeita é claro mas são lindas as duas!!! E, definitivamente, a moreninha sempre recebeu mais elogios pelos seus cabelos cacheado que a loira.
E eu sempre falo com ela: vá os trocar de cabelos? Eu amo os seus cachinhos…vejo nos seu jeito de mexer os ombrinhos e passar as mãos nos cabelos que ela também adora o seu cabelo. Espero que ela continue sempre assim…
Agora tenho que confessar que sou péssima com cabelos ( até com o meu!). Não levo jeito mesmo…então às vezes bate aquela vontade de cortar bem curtinho..rs Ela mesma pede porque sente muito calor!!! Por isso estou aqui hoje, pesquisando sobre como cuidar deles tesouro!
Maressa De Sousa
12 de janeiro de 2016 at 12:44
Oi Janaina, tudo bem? Dá uma olhada nessa postagens aqui, pode te bastante:
http://cacheia.com/2015/06/8-dicas-para-voce-aprender-a-cuidar-do-cabelo-cacheado-do-sua-filhao/
Abraços!