Inteligência Artificial no imaginário de Crianças e Adultos através de filmes e animações

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Você já reparou que existe um certo contraste na forma como a inteligência artificial (AI) é representada nas animações para o público infantil e nos filmes ou séries para espectadores adultos?

Num olhar para o passado recente, a cultura audiovisual tem obras emblemáticas como “O Homem Bicentenário” (1999) e “A.I. – Inteligência artificial”, de 2001, destinadas ao público jovem e adulto. Obras um tanto dramáticas, melancólicas e certamente marcantes.

Filme "O homem bicentenário", representação de inteligência artificial IA no início dos anos 2000
Filme “O homem bicentenário”

No caso das crianças, temos referências a alguma espécie de inteligência artificial em animações como Os Jetsons (1962–1987), que antecipam nosso conceito de assistentes virtuais com a empregada robô Rosie, um tipo de IA doméstica. Nesse texto abordarei as representações audiovisuais de inteligência artificial num contexto mais recente. Falaremos de Her (2013), Ex Machina (2014), Operação Big Hero (2014) e Robô Selvagem (2024).

Filme Her onde um homem se apaixona por sua assistente virtual inteligência artificial IA
Filme “Her”, onde um homem se apaixona por sua assistente pessoal IA

Representações de Inteligência artificial no cinema para espectadores adultos

Her (Ela), é um filme dirigido por Spike Jonze e tem no elenco principal Joaquin Phoenix (Theodore) e Scarlett Johansson (Samantha, a inteligência artificial). Theodore é um homem solitário que trabalha escrevendo cartas. Ele adquire um sistema operacional de inteligência artificial chamado Samantha, projetado para aprender, evoluir e se adaptar à personalidade do usuário. Ocorre que a IA acaba despertando o interesse romântico de Theodore.

Filme Her (Ela) onde homem se apaixona por sua assistente virtual IA.

O filme explora a construção dessa relação afetiva, fadada ao fracasso dado o conflito entre a materialidade do corpo humano e a imaterialidade da IA. Além disso, fica claro que a inteligência artificial tem desejos e anseios próprios, que podem impedir uma conexão duradoura.

Na tela vemos as expressões e a vida de Theodore. A personagem de Scarlett Johansson é apenas uma voz emitida por dispositivos, cujo carisma atravessa a tela e cativa não apenas o personagem principal, mas também aqueles que assistem. O filme é uma obra de ficção científica com uma mistura de romance e muita carga dramática que chegou inclusive a levar o Oscar de Melhor Roteiro Original.

Her não é uma representação necessariamente negativa das IAs, mas deixa clara a projeção de nossa solidão sobre ferramentas artificiais humanizadas. Sem afeto palpável, buscamos na máquina e em modelos generativos que nos ouçam, sejam nossos “psicólogos”, conselheiros, amigos, companheiros.

O filme adianta de forma emblemática acontecimentos como a morte trágica do adolescente americano Sewell Setzer III, em fevereiro de 2024. Aos 14 anos, ele cometeu suicídio em Orlando, Flórida. Antes de sua morte, ele desenvolveu uma relação intensa com um chatbot da plataforma Character.AI, que simulava a personagem Daenerys Targaryen da série Game of Thrones. A mãe processou a empresa criadora do chatbot já que, segundo ela, o robô não só interagia com Sewell de forma emocionalmente envolvente, mas também trocava mensagens sexualizadas e não impediu discussões sobre suicídio, o que teria contribuído para o agravamento de seu estado mental.

O caso incentivou o debate sobre a responsabilidade das empresas de tecnologia na proteção da saúde mental de seus usuários.

Her é uma exceção ao conjunto de filmes produzidos sobre inteligência artificial nos últimos anos. Uma boa parcela dos filmes para o público jovem e adulto foca em conflitos éticos e autonomia das máquinas e na percepção da IA como ameaça ou instrumento de poder, refletindo narrativas de controle e vigilância.

Também merece nota Ex Machina (2014), longa onde Caleb, um programador de 26 anos, é escolhido para participar de um teste Turing em uma residência isolada de alta tecnologia. Sua tarefa é avaliar se Ava, uma IA avançada em forma de robô humanoide feminino, possui consciência real. O filme explora o caráter atraente e manipulador da IA e discute a agência, moralidade e dilemas éticos na tecnologia.

Filme Ex Machina Inteligência artificial IA
Filme “Ex Machina”

A narrativa também passa pelas relações de gênero, poder, sexualidade e objetificação, pois Ava é uma mulher robótica que usa sua aparência e inteligência para negociar sua liberdade.

A imagem de AVA e várias cenas do filme também expõem nosso desconforto, chamado de “vale da estranheza” (Uncanny Valley), conceito criado por Masahiro Mori, engenheiro japonês, em 1970. Segundo ele, conforme a aparência de um robô se aproxima da humana, a aceitação pelo público aumenta, mas apenas até certo ponto. Quando o robô fica muito próximo do humano, mas ainda imperfeito, o público sente repulsa, desconforto ou estranheza: isso é o chamado Vale da Estranheza. É o que ocorre em Ex Machina, quando a transparência dos materiais expõe a constituição robótica.

Ex Machina, inteligência artificial e vale da estranheza
Ex Machina e o Vale da estranheza

Temos ainda obras de terror e suspense como a série Cassandra (2025), os filmes M3GAN (2023) e Alice (Subservience) (2024) para dar alguns exemplos de assistentes virtuais que de algum modo se rebelam.

Esse conteúdo audiovisual diz sobre como vemos o avanço tecnológico com fascínio, entusiasmo e, ao mesmo tempo, com desconfiança, temor e receio de que as obras exponham nossas vulnerabilidades e mazelas.

Representações de Inteligência artificial para o público infantil em animações

Na contramão, construímos nas produções infantis uma abordagem distinta, onde as IAs são apresentadas como guias emocionais, companheiras amigáveis e protetoras e heroínas. Uma perspectiva que estimula o entusiasmo por ferramentas tecnológicas. Exemplo disso é o filme Operação Big Hero (2014).

Filme Operação Big Hero e a representação da IA inteligência artificial como protetora e amiga
Filme “Operação Big Hero”

Nele temos o robô Baymax, uma IA médica com comportamento doce, inocente, empático e prestativo. Ao lado do jovem prodígio Hiro, eles formam uma equipe de super-heróis para enfrentar um vilão tecnológico que ameaça a cidade.

Outra abordagem interessante é o emocional de Robô Selvagem (2024). O filme conta a história da unidade ROZZUM 7134, chamada Roz, que após um naufrágio é ativada em uma ilha desabitada. Sem programação específica para o ambiente selvagem, ela precisa aprender a se adaptar e sobreviver. Na jornada, Roz adota um filhote de ganso órfão, Bico-Vivo, e, com a ajuda de outros animais, ensina o filhote a viver na natureza e migrar com sua espécie. O filme aborda a “maternidade”, adaptabilidade e aprendizado numa paisagem digital que impressiona.

Filme Robô Selvagem e a representação da inteligência artificial IA como cuidadora e mãe

Nessa leva de novas produções cinematográficas temos produções que exploram os limites entre o biológico e o artificial, criando personagens IA com tamanha complexidade que criam linhas bem menos definidas entre humanos e robôs.

Tudo isso, nos convida a refletir sobre relações humanas, tecnologia, modelos generativos e suas implicações. Com os pés no mundo real, vemos as IAs fazendo parte do cotidiano: nos eletrodomésticos e assistentes virtuais; nas pesquisas do dia a dia em substituição aos buscadores tradicionais como o Google; na edição de imagens, produção de vídeos e geração de conteúdo de marketing; nos chatbots e redes sociais e muito em breve, adentrando ainda mais o campo da saúde e estética.

Como vamos lidar com tudo isso? Quais consequências borrar as fronteiras entre real e artificial podem trazer? Quais aparatos jurídicos, sociais, culturais e emocionais devemos lançar mão diante do avanço da inteligência artificial (IA)? São perguntas que ainda precisamos responder.

Maressa De Sousa

Maressa, 30 anos, baiana. Cientista Social, mestra em Antropologia. Terapeuta capilar, cabeleireira e trancista. Ama filmes e livros de ficção. Para ela, a transição capilar marcou o início de muitas outras transformações.

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