Crônica da leitora: história dos meus cachos

Nunca fiz tratamentos químicos no meu cabelo, mas também nunca gostei dele. Meu cabelo, assim como o de muitas meninas, mudou muitas vezes durante meu crescimento. Sempre tive pouco cabelo, nasci e passei meus primeiros meses de vida quase careca; quando começou a nascer cabelo, era loiro e cacheado. Conforme fui crescendo, meu cabelo foi escurecendo e alisando e lá pelos meus seis anos tinha meu cabelo completamente liso. Quando tinha meus oito, nove anos, meu cabelo foi ficando mais crespo, mas foi um processo lento, tanto que continuei cuidando dele como se ainda fosse liso. Com a puberdade tudo piorou. Eu não sabia que meu cabelo era cacheado, então sempre penteava com ele seco, o que obviamente não dava certo; eu tinha muito frizz e nenhuma forma, resultado: eu odiava meu cabelo.

(Desafiando os padrões de gênero com meu cabelo liso/ Com meu irmão recémnascido)

(Desafiando os padrões de gênero com meu cabelo liso/ Com meu irmão recémnascido)

Todos os salões de cabelereiro cortavam meu cabelo como se fosse liso, ninguém nunca me disse que eu deveria cuidar diferente dele, então continuei fazendo as mesmas coisas e desejando acordar um dia com ele liso de novo. Eu olhava para as revistas adolescentes e achava lindos os cabelos longos, lisos, repicados e com franja. Entre as modelos, não havia nenhuma com o cabelo que nem o meu, parecia que só eu era desse jeito. Meu ódio ao cabelo me fez ignorá-lo; não fazia mais diferença se ele estava preso ou solto, eu mal me olhava no espelho. E assim continuou até os meus dezessete anos, quando decidi cortar o cabelo bem curtinho.

(cabelo curtinho. Tive esse corte por mais de três anos)

(cabelo curtinho. Tive esse corte por mais de três anos)

Quase sem cabelo, o processo inverteu e eu comecei a gostar mais dele. Apesar de não precisar arrumar nem pentear, passei a me olhar mais no espelho, a me preocupar mais, enfim, a me amar mais. Pela primeira vez fui feliz com ele e deixei o cabelo curto por anos, até que em 2014 eu resolvi deixar crescer.Tenho pouco cabelo e ele cresce bem devagar, mas observar ele aumentar e tomar outras formas foi um processo muito importante para mim. No começo, eu prendia vários grampos, temendo muito volume e cachos meio descontrolados. Percebi que ele logo perdia a forma e os cachos, mesmo que passasse muitos cremes, leave-ins e ativadores de cachos, se desfaziam. Tive muita vontade de cortar de novo e voltar a não me preocupar com o cabelo, mas continuei sendo persistente. Até que um dia dei de cara com uma nova técnica, que prometia ser revolucionária para meninas com cachos; o low/no poo.

(Deixando o cabelo crescer, cheio de grampos/ Com meu irmão agora bem maior.)

(Deixando o cabelo crescer, cheio de grampos/ Com meu irmão agora bem maior.)

Não lembro bem como fui conhecer o low/no poo. Talvez tenha sido pela internet, nas centenas de grupos dedicados a essa técnica, mas lembro que não demorou muito para eu começar a transição. Li muito sobre e fui logo pesquisar os produtos permitidos e testar várias receitas caseiras de hidratação e nutrição para cabelos. Senti logo a diferença, e foi só ali, depois de duas décadas de crises capilares, que aprendi a cuidar dos meus cachos; a observar os efeitos dos produtos no cabelo, quando lavar, quanto creme passar e como passar, se está ressecado, não dormir com o cabelo molhado, etc.; passei a dedicar um pequeno tempo todos os dias para cuidar dos meus cabelos, para preparar receitas caseiras, para cuidar de mim, para me olhar no espelho, para me fazer sentir bonita. Esse tempo foi empoderador. Hoje fico feliz quando vejo prateleiras e prateleiras com produtos especializados em cabelos cacheados e em low/no poo, e quando vejo modelos cacheadas nas revistas, ou celebridades que assumiram os cachos. Quando tinha doze anos, as revistas ensinavam que para ter cachos era preciso fazer babyliss, como se não houvessem meninas cacheadas naturalmente. Hoje eu tenho uma rede de cacheadas, elas tiram as minhas dúvidas, me ajudam a escolher os melhores produtos, me socorrem quando algo dá errado, dizem que sou linda quando posto uma foto, elas me fortalecem, elas me empoderam.

Hoje eu amo meu volume – e quero cada vez mais –, amo meu frizz, amo meu cabelo solto e preso. Esse amor é novidade para mim. Cresci, assim como quase todas, aprendendo que não se deve gostar de si mesmas, que mulheres nunca estão satisfeitas a aparência, que eu não posso me amar, que não posso gostar de ser eu. Eu comecei a me aceitar como cacheada mais ou menos quando me aproximei mais do feminismo e para mim faz o maior sentido. Como feminista, a minha rede de cacheadas fica ainda mais linda, porque são mulheres ajudando mulheres. Me olhar no espelho e gostar do que vejo para mim é um ato revolucionário, pois não é isso que nos ensinam. Acredito no feminismo desde os pequenos atos, no cotidiano, nas pequenas coisas. Aceitar meu cabelo de jeito que ele é me ajudou a aceitar meu corpo do jeito que ele é, me ajudou a me pertencer, a ser dona do meu próprio corpo.

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por Júlia Medina

Maressa De Sousa

Maressa, 26 anos, baiana. Cientista Social, mestra em Antropologia. Terapeuta capilar, cabeleireira e trancista. Ama filmes e livros de ficção. Para ela, a transição capilar marcou o início de muitas outras transformações.

Blog Comments

Que linda história Julia! Foi também com o No Poo que aprendi a cuidar, aceitar e amar meus cachos e meu volume!

Juju, maravilhosa! Você é LINDA de viver, com esse cabelo mais lindo ainda! <3

A minha história com meu cabelo é mais ou menos assim também, eu tinha cabelo liso e ele cacheou, mas continuei cuidando como se fosse liso. Aí naquela bagunça que o cabelo ficava, eu acaba usando ele só preso, porque penteava seco! Só fui descobrir que não podia fazer isso no primeiro período da faculdade, quando uma amiga cacheada (única na sala) me disse o que eu estava fazendo de errado! Depois disso foi só amor hahah

Adorei a história da Julia, os cachinhos dela são lindos também!

Eiii nos passa o conteto da sua rede de cacheadas! Tbem quero

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