A Revolução na indústria de cosméticos para cabelos crespos

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*Esse post não se refere à nenhuma marca/produto específicos. Estamos problematizando a questão da publicidade para cabelos crespos. 

Em algum momento da sua infância você ouviu alguma brincadeira (de quem quer que seja) sobre seu cabelo. O fato dele ser volumoso era motivo de preocupação, afinal de contas, ele deve estar sempre comportado/”domado” e controlado por você.

Se você tem mais de 16 anos, com certeza se lembra das séries e filmes onde a menina, pra ser notada pelo seu “príncipe encantado” precisava ter os cabelos lisos (que, em comparação aos cabelos cacheados e crespos, era considerado arrumado. Era sinônimo de vaidade). Se você tem mais de 16 anos, com certeza se lembra dos famosos comerciais para produto de cabelo: uma mulher com os cabelos lisos e sedosos de dar inveja. Com certeza isso é mais visível em comerciais e embalagens de colorações.

Comercial L'Oréal Paris com Isabeli Fontana

Comercial L’Oréal Paris com Isabeli Fontana

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O que eu entendo com essas embalagens: a marca só funciona em cabelos lisos.

A publicidade tem um poder surreal sobre nosso corpo e mente, para o bem e para o mal. Isso porque ela estuda a psicologia do comportamento humano. Basicamente o que os publicitários fazem é pegar o nosso ponto fraco e usar para o que eles quiserem.

A gente sabe que esse cabelo da propaganda não é real. Sabemos que tem vários tratamentos de imagem e efeitos aí. Então, qual o problema?

O objetivo desses comerciais não é ser real, não é ter semelhança com a realidade. É ter semelhança com nossos desejos. Quando se reforça que o normal é você ter um cabelo controlado e sem frizz, você acaba internalizando isso. Você acaba buscando isso. Você ignora suas particularidades e quer fazer parte da “normalidade” imposta.

Propagandas de cabelo liso que menosprezam o cabelo cacheado, o tratando como "desleixado", ressecado, quebradiço, volumoso, descuidado e por aí vai...

Propagandas de cabelo liso que menosprezam o cabelo cacheado, o tratando como “desleixado”, ressecado, quebradiço, volumoso, descuidado e por aí vai…

A publicidade fraca e ruim sobrevive de esteriótipos. As “modas” vem e vão, mas só a publicidade fraca se aproveita disso. Essa propaganda da Seda, por exemplo. É bem antiga, devo dizer. Mas infelizmente marcas se aproveitam desse pensamento de que cabelo não pode ter volume e nem frizz. Basicamente ignoram o fato de que existem mulheres com outros tipos de cabelo que não são lisos. Ignoram que elas se interessam por produtos próprios para seus cabelos. E também ignoram que não existem produtos para cabelos crespos.

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Sendo mais abrangente: você já viu algum cosmético masculino, (um shampoo, por exemplo) que não seja “dois em um” (shampoo + condicionador)? Que não seja anti caspa? Que não seja “para todos os tipos de cabelo”? Pensa só.

A demanda existe. As marcas preferem ignorar.

Em 2007, Lorraine Massey, cabeleireira nos EUA, lançou o livro Curly Girl* que foi totalmente revolucionário. No livro ela trata das técnicas low no poo, de acordo com ela, são maneiras corretas de cuidar do cabelo crespo. Além disso, Lorraine criou a marca Deva Curl feita exclusivamente para cabelos crespos. A linha tem uma composição própria pensada para nosso tipo de cabelo e uma aplicação super diferente da convencional.

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Através das redes sociais, muitas meninas começaram a compartilhar e difundir as ideias do livro, discutindo novas maneiras de se cuidar do cabelo crespo sem a necessidade de produtos. A partir daí cresceu o uso das famosas e adoráveis receitas caseiras.

Toda essa motivação para correr atrás de cuidados naturais, buscando a auto aceitação, foi praticamente um recado para a indústria de cosméticos:

Ei, eu tô aqui. Meu cabelo existe e não é da forma como vocês mostram. Ele precisa de cuidados especiais e  vocês definitivamente não se importam comigo.

Um exemplo claro disso é a campanha realizada pela Garnier em 2013, a “TROCA RECEITA” com Dani Calabresa. A marca já havia percebido que estava perdendo público pras famosas receitas caseiras. Você pode ver no vídeo abaixo, da campanha oficial, a forma escrota e ofensiva como a Garnier tratou blogueiras (e diversas internautas), menosprezando-as por usar comidas e frutas no cabelo e não “o novo produto” lançado por eles.

Além do vídeo oficial da campanha, recomendo esse post do Ativismo de Sofá: Garnier, a nossa receita é uma resistência a você

Essa campanha pra mim foi um marco. A partir daí eu, como blogueira, passei a perceber o olhar das marcas para o público com cabelo cacheado e crespo. Esse daí não foi o olhar que eu esperava, mas pelo menos tínhamos a atenção. E foi aí que começou a nossa revolução.

No final de 2013 quando o Cacheia começou, a nossa lista de liberados pra low/poo era minúscula. Os produtos que a gente indicava era basicamente da Yamá, Kanechom e Capicilin. Marcas pequenas que não fazem muita propaganda mas inconscientemente faziam bem pro nosso cabelo.

Tá certo que nem todo mundo segue essas técnicas e nem todo mundo tem conhecimento químico ou de inglês suficiente para analisar composições nas embalagens. O fato é que a informação já está sendo difundida – e bem rápido – através de grupos, de blogs, de páginas, de sites.

Em 2015, o setor de beleza no Brasil teve uma queda de 20%. Por diversos fatores e também podemos com certeza dizer: eles não entregam o que prometem.

A indústria de cosméticos, as marcas não tem só o desafio de criar produtos BONS: os produtos precisam condizer com o seu público. Assim como suas propagandas, todo o seu trabalho de divulgação. Quero ver crespas de verdade, chega de aplique, chega de babyliss! Quero poder me ver nas propagandas. Quero me identificar, afinal, representatividade importa!

Como nesse comercial recente da Garnier, olha só a diferença:

E PRINCIPALMENTE nessa campanha aqui da Dove:

Eu sou cacheada, eu quero produtos para CABELOS CACHEADOS. Eu quero algo específico pro meu cabelo. Porque ele é especial, porque eu sou especial, porque minha auto estima ta em jogo.

Queremos menos produtos com parafina, com óleos que mascaram a aparência dos fios! Se não for pra tratar a fundo, eu volto pras minhas receitas caseiras! Queremos mais ingredientes naturais, que realmente hidratam, nutrem e reconstruam! Queremos mais vitaminas, queremos realmente cuidar do nosso cabelo.

Chega de produtos testados em animais. Chega de crueldade.

Além disso: MAIS PRODUTOS BARATOS! Mais acessíveis! Por que eu tenho que pagar mais caro num shampoo se eu posso limpar meu cabelo com misturas caseiras?

Eu quero saber como a marca lida com questões sociais. Imagina só comprar um produto com embalagem racista? Que faz apologia ao estupro?

Tudo isso importa. E sabe o que é melhor? É ver cada mudança e saber que fazemos parte disso. Sabemos que fazemos parte da reivindicação, sabemos que existimos e sabemos que importamos. (Sim, mesmo como consumidoras)

A Seda, por exemplo, é uma marca que sempre foi acessível e fácil de encontrar. Tem mudado a composição de muitos produtos retirando parafina e outros óleos. Passos pequenos, não é? Mas quem diria! Outros grandes exemplos também de marcas baratas: Novex e Salon Line. Antigamente referências em alisantes, hoje as marcas dedicaram boa parte de seu tempo para atender à demanda dos cabelos crespos e tem feito bastante sucesso! Inclusive você pode conferir uma das resenhas do creme de pentear To de Cacho aqui.

Mas queremos mais e não vamos nos calar.

 

*Curly Girl, livro já disponível em português: Manual da Garota Cacheada.

 

Atualização 02/02/2016: mais uma marca que ainda não aceitou ser substituída pelas receitas caseiras! 

 

Ana Catarina

Ana Catarina, 25, mineira de em Belo Horizonte, MG. Coordenadora de marketing e fundadora do Cacheia :)

Blog Comments

Paraaaaaaaaaaaabéns ! Ameeeeeei de verdade até me emocionei.

Dá um orgulho danado ser amiga dessa mulher. Socorro, que rainha! Não vamos nos calar, vamos bater o pé pq abaixar a cabeça pra publicidade excludente e opressiva não é mais uma opção!

Sua linda <3

uhhhhuuu arrasou Ana e exatamente assim q me sinto vcs estão de parabéns!!!!

Concordo plenamente.Sou muito confiante com meus cabelos cacheados, volumosos e com um pouco de frizz.RsRs.Estou feliz com meus cabelos.Ah e amo receitas caseiras.

Isso é um clamor! Por favor, parem de olhar o nosso cabelo com cara de bunda e veja o quanto ele é lindo e tem vontade propria! Ele tem frizz, ele tem cachos, ele acorda arrepiado e ultra versatil! Sorte a nossa ter cabelos cachecrespos!

Que post incrível Ana, não conhecia algumas dessas campanhas publicitárias. Essa com a Nina e a Rayza, por exemplo, me deixou c-h-o-c-a-d-a! Parabéns ao trabalho de conscientização de toda a equipe do cacheia!!! Vcs são maravilhosas! Bjsss
http://dibobis.blogspot.com.br/

Muito obrigada, Carol <3

Como faz pra tirar esse cisco que caiu no meu olho depois de assistir a campanha da Dove? :’)
Gostaria muito de ter tido esse incentivo quando criança, infelizmente não deu. Contudo, agora sigo ainda mais firme na minha transição capilar, com o desejo de inspirar as pequenas cacheadas e mostrar que nossas molinhas são lindas!
Ótimo texto Ana! Amo ler sobre essas reflexões aqui no Cacheia!

Muito obrigada, Lara <3 mais textos desse estão por vir!

MARAVILHOSO POST!!!

Arrasou e sambou!!!! Luxo de post!!!

Simplesmente perfeito!!!! Adorei !!!!

Ana Catarina, texto magnífico!!! Amei!!! Consegui fazer uma retrospectiva da minha vida capilar. O site é divino! Parabéns a todas envolvidas na construção deste site!!! Bjs

Obrigada Karina!

Lindo!!! Me emocionei aqui… Minhas irmãs tem o cabelo mais cacheado que o meu, e as duas alisaram.Sempre achei o cabelo delas lindo, mas depois que surgiram esses alisamentos elas sucumbiram.Meu cabelo é cacheado também, sabe aquele cabelo que os cachos são abertos, tem vezes que fica sem cacho, as vezes fica todo cachinhos, ele tem vontade própria, hehe.Sou a única que não fez química no cabelo.Sempre digo:liso a pulso não quero não. Minha filha mais velha tem um cabelão cacheado, grandão, volumoso; a mais nova tem um cabelo liso, fino. Já ouvi a mais velha que ela queria ter o cabelo liso, e mostro para ela que cada cabelo tem sua beleza, e todo cabelo dá trabalho e que o cabelo dela é liindooo (até a irmã ajuda, porque ela fala que queria o cabelo com cachinhos também).O fato de eu usar o cabelo natural, não alisar e nem usar chapinha eu espero que ajudem, porque é muito triste não gostar de si. Vamos que vamos assumir com orgulho os nossos cachos e viva a diversidade.

Bom eu me emocionei de verdade lendo o teu post e já era algo que eu pensava o mesmo que você, lembro da época que você ia no cabelo e via aqueles potes de cremes da seda com lindas modelos com os cabelos lisos, de catalogos da avon que eram repletos de linhas para ter o cabelo liso, enfim eu de verdade não lembro mesmo de produtos para o cabelo cacheado, pq grande partes das mulheres fugia desse padrão, lembro tbm quando começou a mulherada a assumir os cabelos naturais e surgiu meninas blogueiras entrando em transição e todo o processo, o que estava usando e isso foi ganhando força!! Eu já conhecia um pouco das técnicas do no e low poo isso, lembro mais ainda que esses tipos de temas era sempre encontrados nos grupos do facebook quem ta no mundo dos cabelos lembra dos três grandes grupos do facebook: Cacheadas em transição; No e Low poo iniciantes; Cronograma capilar: Projeto Rapunzel!! Foi quando cremes como kanechom e yamasterol virou febre!! E pegavamos esses dois cremes “baratinhos” pra fazer mil e umas receitas, e ai se descobriu as maravilhas do azeite de oliva extra virgem, óleo de coco e o óleo de rícino, com a força desses grupos teve a febre do shampoo bomba, e o que aconteceu? Começou muitas marcas a desenvolver produtos com a vitamina A, a primeira marca a desenvolver produtos para os cachos foi a salon line que sempre foi e vai ser a minha preferida dentre todas, pq realmente ela revolucionou, respeitando e tratando cada tipo de cabelo cacheado desde os ondulados aos crespos. Quanto a garnier é uma marca que já tinha visto outras publicações sobre essa polêmica, bom esses dias eu presenciei em casa mesmo a propaganda da linha RECRIADOR DE CACHOS da Garnier e no final da propaganda vinha a mensagem: “EM TERRA DE CHAPINHA QUEM TEM CACHOS É RAINHA” e nisso minha mãe falou assim: Quer dizer que eu não posso ter cabelos de rainha pq não uso cabelo cacheado? Enfim é complicado entender as propostas desta marca.

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